Meu Estúdio Maravilhoso
O Mistério das Moedas de Ouro, 1ª Parte
Sexta-feira, Setembro 23, 2022

Uma Aventura do Clube dos Cinco

— Aonde é que vocês vão?—perguntou Karen, juntando-se aos seus quatro amigos que estavam descendo a rua.

— Ver o Sr. Carlos, respondeu Chris. Ele e Suzana tinham doze anos e eram os mais velhos do grupo.

— Karen apertou o passo para acompanhar os outros.

— O Sr. Carlos Clave? Todo mundo diz que ele tem... vocês sabem... — disse coçando a cabeça — uns parafusos soltos. Ele vê coisas que não existem...

— Mas você não o conhece como nós — disse Edgar. — Ele é legal!.

(Edgar, que tinha oito anos, era o mais novo dos cinco amigos.)

— Ele é nosso amigo — disse Chris. —Não é amável falar assim dele, quando você nem o conhece.

— Desculpem. Só estou repetindo o que ouço dizer por aí — explicou Karen.

Fazia pouco tempo que Karen, de onze anos, tinha retornado a Silvianópolis. Há dois anos os seus pais tinham se mudado para uma cidade próxima, devido ao trabalho do pai. Contudo, Silvianópolis cresceu e mudou, e seu pai foi transferido de volta.

Mudar-se de Silvianópolis tinha sido difícil para Karen, pois teve que deixar os amigos e tudo o que conhecia, mas agora estava de volta e parecia que Silvianópolis não era mais a mesma. Até os amigos, agora mais velhos, não tinham mais os mesmos interesses. Mas isso não atrapalhava Karen. Ela sempre adorou aventuras, e estava sempre pronta para um novo desafio.

— Você não acredita em tudo que lhe dizem, acredita? — perguntou Suzana a Karen, enquanto andavam rapidamente rumo ao seu destino.

— Não exatamente... bem, depende. Mas por que motivo vão visitar esse senhor?

— Ele tem um monte de coisas antigas e interessantes que têm no mínimo 100 anos. Ele é como uma máquina do tempo viva — disse Calebe.

— É! — disse Edgar entusiasmado — e também faz um milk-shake incrível com polpa de manga e...

— E o melhor ainda — disse Suzana — é que tem nos contado umas histórias absolutamente incríveis da sua vida.

— O que é que ele já contou? — indagou Karen.

— Bem... o Sr. Carlos contou que foi mecânico da aviação na II Guerra Mundial. Ele também matou o cuco do chefe de uma tribo, na floresta protegida de uma ilha no Pacífico, porque estava com fome, e depois teve que fugir de canoa para uma ilha próxima para escapar da morte. Atirar em um dos cucos do chefe não foi muito bom, certo?

— Imagino que não — respondeu Karen.

— Depois, ele começou a trabalhar numa fábrica de aço em outro país — disse Suzana — praticamente um beco sem saída. Um dos seus amigos morreu num acidente na fábrica, e isso o fez refletir na razão de tudo. Foi então que ele orou a Deus e recebeu uma grande revelação, e decidiu ser missionário.

— E...?

— Ele só contou até aí —disse Suzana respirando fundo.

— Então se eu quiser ouvir o resto da história terei que ir com vocês, certo? — perguntou Karen.

Suzana meneou a cabeça afirmativamente.

Assim você pode conhecê-lo pessoalmente e ver o que acha dele, em vez de dar ouvidos ao que os outros dizem — acrescentou Chris com um sorrisinho.

Logo chegaram ao portão da frente da propriedade do Sr. Carlos e subiram pelo caminho que atravessava o jardim repleto de árvores, plantas e flores que o Sr. Carlos tinha colecionado durante suas viagens. Entre elas havia faias da Bulgária, orquídeas de El Salvador e uma árvore de cravo-da-índia de Zanzibar.

No meio de um jardim japonês havia uma ponte em forma de arco que passava por cima de um pequeno lago, onde nenúfares cor de rosa boiavam entre as carpas cor de laranja e brancas que por ali nadavam.

Subiram os degraus e chegaram a um modesto sobrado, pintado de azul real. A casa não era nada extraordinária, com exceção da cor azul vivo e da sequoia gigante, que ia bem acima do telhado. Preparando-se para bater à porta, Chris levantou a argola, que passava pelo nariz de uma grande cabeça de tigre.

— Que assustador — disse Karen olhando para o rosto feroz do tigre.

— O Sr. Carlos trouxe isto de uma de suas viagens ao Tibete — disse Suzana.

Chris bateu a argola duas vezes.

Frisky, o labrador fiel companheiro do Sr. Carlos, deu um latido de boas vindas da janela.

O Sr. Carlos afastou a cortina para o lado e sorriu ao ver os amiguinhos. Com muito esforço, abriu a porta e os cumprimentou calorosamente. Ele era quase totalmente careca, mas sua longa e exuberante barba branca mais do que compensava pela falta de cabelo.

— É o clube — disse, e depois notou a presença de Karen, que nunca tinha estado lá. — Hum... vocês arranjaram um novo membro?

— Karen é uma velha amiga nossa — disse Susan. —Ela acabou de voltar para Silvianópolis a semana passada.

— Estou feliz que a trouxeram com vocês. Mais um membro para o clube... O Clube dos Cinco!" O Sr. Carlos parou e depois sorriu. — Gosto desse nome.

—Nós estamos muito interessados em ouvir o resto da sua história, Sr. Carlos — disse Edgar.

— A turma de vocês é legal — disse o Sr. Carlos, dando uma gargalhada. — Vou continuar a história logo logo. Fiquem à vontade. Estou na cozinha. Tinha o pressentimento de que iam voltar hoje, então fiz uma das minhas vitaminas prediletas... vitamina de abacate!

— Viu, eu te disse que ele era legal — sussurrou Edgar dando um cutucão em Karen.

Quando se dirigiam para a sala, Karen deu uma espiada nos quartos e notou diversos instrumentos musicais em um quarto: cítara, bandolim, e diferentes tambores com cara de africanos.

Onde será que ele conseguiu todos esses instrumentos musicais esquisitos? pensou. Adoraria poder tocá-los.

Enquanto Frisky tentava ganhar toda a atenção e carinho possível de cada criança, os cinco buscaram rapidamente um bom lugar para se sentarem. O Sr. Carlos conversava enquanto servia a bebida geladinha e cremosa nos copos altos e colocava um canudinho em cada um.

— É uma adaptação de uma bebida que aprendi a fazer em uma das minhas viagens à Indonésia — disse ele. Você bate abacate, coco ralado, açúcar, creme de leite, pedacinhos de gelo e está pronta. É uma das melhores bebidas que já tomei, puro néctar de Deus!

Enquanto bebiam, o Sr. Carlos continuou contando a história da sua vida e mostrando fotos das suas aventuras missionárias.

— E aqui estou eu com Maureen — disse o Sr. Carlos com um brilho nos olhos, apontando para uma foto dele com sua esposa, quando eram bem mais jovens.

— Ela era bonita — disse Karen.

— Maureen era um verdadeiro anjo! E tenho certeza que agora está ainda mais linda lá no Céu. — Aqui estávamos trabalhando numa escola na Índia. Eles tinham que carregar água de muito longe todos os dias, então Deus nos deu um mecanismo que levava a água direto até o centro da vila.

— Que cobra é esta? — perguntou Chris, apontando para outra foto na parede.

— É uma píton africana que decidiu entrar para a aula bíblica que eu estava dando em Camarões — explicou. — A próxima foto é de quando estávamos trabalhando com desabrigados no México. Alguns amigos nossos assumiram esse ministério quando partimos.

O Sr. Carlos continuou descrevendo as outras fotos até que chegou a uma pintura que se encontrava pendurada por cima da lareira, no qual o artista tinha pintado Jesus descendo dos céus e vindo à Terra.

— E este é quem tornou todas as aventuras da minha vida possíveis — disse o Sr. Carlos, fixando o olhar na pintura.

— Que perspectiva incrível — disse Chris, que era um aluno de arte entusiasmado. — E que cores vibrantes.

— E parece tão real! — exclamou Suzana.

Engraçado você ter mencionado isso. Porque outro dia parece que a figura tomou vida, e Ele disse que não faltava muito para eu ir para casa.

— Para casa? Eu pensei que esta era a sua casa — disse Karen.

— Nossa casa eterna, o Céu. Jesus me disse que logo irei encontrar Maureen.

— Não vá ainda — sussurrou Susana.

— Tenho que ir. Como diz a velha canção... — o Sr. Carlos começou a cantar uma velha canção de blues gospel.

Você pode ser jovem, pode ser velho.
Pode ser rico, filho; pode ser pobre.
Mas quando o bom Senhor estiver pronto,
Você tem que ir. Você tem que ir, você tem que ir.

Mas já falamos suficiente de mim. E vocês, o que têm feito ultimamente?

— O Edgar está fazendo um carrinho de rolimã para a grande corrida “De volta aos anos 50" — respondeu Susan. Edgar concordou balançando a cabeça.

— Já está funcionando, filho?

— Quase. Mas estou tendo dificuldade com o volante.

— Tenho algo que talvez possa ajudá-lo com isso: roldanas.

— Como é que isso pode me ajudar? — perguntou Edgar.

Primeiro deixe-me ver se ainda tenho aquelas roldanas. Venham comigo até o sótão — disse o Sr. Carlos e conduziu-os até o tronco da sequoia.

— Que árvore enorme! — exclamou Chris.

— É mesmo. Tem uns 3 metros de diâmetro.

— Mas onde está o sótão? — perguntou Calebe.

— Ah! Você não acha que um cara doido como eu teria um daqueles sótãos sem graça no topo da casa, acha? —respondeu o Sr. Carlos — e abriu uma porta talhada na casca da árvore.

— Nada disso. No meu caso preciso de algo mais excêntrico.

O interior da casca havia sido escavado, e as crianças olharam lá para dentro admiradas. O Sr. Carlos acendeu uma luz, e todos viram um cômodo revestido de prateleiras empoeiradas cheias de caixas. Uma escada conduzia ao segundo andar.

— Este é o meu sótão.

— Que lugar incrível — exclamou Chris.

— Podemos dar uma olhada? — perguntou Karen.

— É para isso que servem os sótãos, minha querida.

— Como conseguiu fazer um cômodo dentro da árvore? — perguntou Calebe.

— Veio com a casa. Ninguém sabe ao certo, mas tem várias histórias de como foi feito. Uma das histórias que ouvi foi que um pioneiro retirou a parte de dentro da árvore a muito tempo atrás para escapar de um ataque dos índios. Outros dizem que a árvore foi atingida por um raio que fez um buraco no tronco, mas ela e o buraco continuaram crescendo. Há quem diga que foi um fungo que causou isso. E também... — o Sr. Carlos fez uma pausa para deixá-los em suspense — há uma lenda antiga que diz que era a caverna de um dragão.

Os cinco prenderam a respiração.

— Onde será que coloquei aquelas roldanas? — indagou o Sr. Carlos olhando para o Frisky. Vamos ver …

Os jovens logo começaram a explorar todos os artefatos antigos que enchiam o cômodo. Karen tocou uma velha cítara nigeriana que fez um som dissonante.

— Depois de tantos anos, precisa ser afinada — disse — mas é um instrumento interessante.

Susan pegou um jornal do século XIX, todo desbotado. Ela leu em voz alta um anúncio que dizia:

Comprem uma funda. Marcos Abercrombie anuncia: “Tenho uma funda que ajuda a curar hérnia. Nada de faixas de metal no corpo. Segura qualquer hérnia.”

Susan olhou para cima sem entender.

— O que é uma funda?—perguntou

— Um — disse o senhor idoso com um sorriso amarelo —algo parecido com cuecas, só que mais resistente!

Todos deram uma gargalhada.

— Ah, aqui estão as roldanas — disse o Sr. Carlos. — entregando duas roldanas para Calebe. Pegou uma caneta e um bloquinho no bolso da camisa e esboçou um diagrama explicando como usar as roldanas para o volante do kart de Calebe.

— Vejam só este velho fonógrafo — exclamou Karen. —Ainda funciona?

— Só há uma maneira de descobrir — disse o Sr. Carlos, e pegou um disco preto de 78 rpm empoeirado e o colocou no prato, girando a manivela para fazer funcionar. Colocou com cuidado a agulha no disco que girava e ouviu-se uma canção com um som distorcido e rangente:

Quando eu era menininha perguntei à minha mãe: ‘O que serei?
Serei bonita? Serei rica?
E ela me disse assim:
‘Que será, será!
O futuro não nos é permitido ver.
Que será, será.
O que for, será.

A canção terminou com um estalido e o Sr. Carlos levantou a agulha do disco.

— É uma canção bonitinha — disse Karen. —Gostaria de aprender a tocá-la.

— Fala sobre não se preocupar com o futuro — disse o Sr. Carlos pensativamente. Na minha opinião é uma boa coisa. Mas existe uma maneira de saber o futuro.

— Como assim? — perguntou Chris.

— Deus pode responder às nossas perguntas e, quando sabe que vai nos ajudar, pode nos dar conselhos ou revelar coisas sobre o futuro. Estão lembrados daquele versículo de Jeremias que lhes ensinei na sua última visita?

— Clama a Mim e te responderei e mostrarei coisas grandes e firmes que tu não sabes — recitou Suzana confiante. — Jeremias 33, versículo 3.

— Muito bem, Suzana. E um exemplo de Deus me mostrar uma coisa grande e algo que eu considero coisa firme e que eu não sabia, é que eu irei em breve para casa.

Caiu um silêncio desconfortável e triste sobre todos depois do comentário do Sr. Carlos. Ninguém queria pensar que o velho sábio os deixaria logo.

— Ei, você poderia fazer um bazar com todas estas tra... quero dizer coisas — disse Calebe, tentando aliviar a atmosfera.

— Podia. Não sei por que guardei todas essas coisas; talvez porque vendê-las seria como vender minhas recordações. Além disso, não acho que ganharia muito por elas. O que você acha? —perguntou o Sr. Carlos.

— Provavelmente conseguiria um bom dinheiro por esta incrível pintura — disse Chris, apontando para uma grande pintura de um anjo musculoso e moreno dando moedas de ouro a um jovem. O anjo era bem mais alto do que o homem ajoelhado à sua frente. Raios de uma luz branca cintilante contornavam a sua silhueta.

— Encontrei-o à venda num bazar, e o achei de uma beleza incomparável. Queria restaurá-lo e colocar outra moldura, mas provavelmente nunca conseguirei fazê-lo.

Todo mundo se juntou ao redor da pintura para vê-la mais de perto.

— Além das pinceladas serem interessantes, parece um tanto sobrenatural — disse Christopher. —Tem algum significado?

— Parecia ser mais do que apenas uma linda gravura. Uma vez, quando estava contemplando o quadro, Jesus me mostrou que as moedas simbolizam a nossa a fé em Deus, que nos foi legada.

De repente, o Sr. Carlos entregou o quadro a Chris. O menino pareceu surpreso e vacilou um pouco sob o peso.

— Podem pendurá-lo no seu clube... o Barracão, não é?

— Certo... mas está me dando o quadro?

— Isso mesmo.

— Mas eu não posso levá-lo. É muito especial para o senhor.

— Olha, ficou aqui parado por muitos anos, pelo menos vai servir de decoração para ‘O Barracão’ —disse o Sr. Carlos rindo. — Tampouco poderei levá-lo comigo. Não vou precisar dele, já que no lugar para onde vou provavelmente vou ver esse anjo!

— Muito obrigado, Sr. Carlos. Vamos pendurá-lo no nosso clube — disse Suzana.

— Isso me faz lembrar de que tem outra coisa que quero dar a vocês. Algo bem especial!

O Sr. Carlos destrancou um baú no canto do cômodo e tirou uma caixinha de madeira oval. Ele adorava manter as crianças em suspense, então fez uma pausa antes de abri-la.

— Conseguem adivinhar o que tem dentro?

— Material de arte? —perguntou Chris.

— Não.

—Já sei. É um instrumento musical? — perguntou Karen.

— Não.

— Algo para comer? — perguntou Edgar ansioso.

— Sinto muito. Se fosse de comer, já não estaria bom depois de tantos anos!

— Uma nova invenção? — perguntou Calebe.

O Sr. Carlos abanou a cabeça.

Suzana não conseguia esconder a curiosidade.

— É um... ah não sei. Nos mostre, por favor!

— Ah! Chega de especulações. Foram bons palpites. Vamos dar uma olhada?

O Sr. Carlos abriu a tampa revelando vinte moedas de ouro de vários tamanhos, bem organizadas num veludo vermelho.

— São tão brilhantes! — exclamou Edgar.

— Nunca tinha visto moedas assim — disse Chris admirado.

— O que está escrito nelas? — perguntou Suzana, pegando uma para inspecioná-la.

— É latim, a língua dos romanos de antigamente. Essas moedas são bem antigas e valiosas.

— Onde foi que o senhor as conseguiu? — perguntou Calebe.

— Foi meu pai quem me deu. Ele as ganhou do pai dele, que tinha ganhado do pai dele, e assim por diante. Elas foram passadas de geração em geração. Se não me falha a memória, já passou por umas dez gerações. E, como não tenho filhos para quem deixar, quero dá-las para vocês, para que cuidem delas e as passem adiante.

— Uma rajada de vento fez a porta abrir com um rangido, assustando o grupinho de crianças. — Oh não, já está escuro — disse o Sr. Carlos. — Vocês têm que voltar para casa logo. Chris, vou deixar você encarregado das moedas. Cuide bem delas, por favor.

— Cuidarei.

— Antes de irem, vamos orar juntos. O Sr. Carlos reuniu as crianças em círculo e baixou a cabeça.

— Meu pai, muito obrigado por estas crianças maravilhosas. Obrigado pelo amor que elas trouxeram à minha vida e os momentos agradáveis que passamos juntos. Acompanhe-as e as guarde em segurança. Ajude-as também a valorizarem as moedas que lhes dei, e a serem bons guardiões delas. Em nome do Seu Filho eu peço.

— E esteja também com o Sr. Carlos — acrescentou Edgar. —Sempre nos divertimos tanto com ele. Muito obrigado por isso.

— Os cinco encerraram a sua oração com um animado “amém”, e foram embora para casa.

* * *

No dia seguinte, as crianças voltaram à casa do Sr. Carlos, bateram várias vezes, mas ninguém atendeu. Contudo, dava para ouvirem Frisky latindo freneticamente em algum lugar.

Estavam prestes a ir embora quando um vizinho se aproximou.

— Vocês vieram ver o Sr. Clave? — perguntou.

— Sim, mas parece que ele não está em casa. Sabe quando ele vai voltar?

— Sinto muito, mas ele faleceu ontem à noite enquanto dormia. Justo antes da meia noite, de acordo com o médico.

Atônitas, as crianças ficaram sem palavras.

— Desculpem ter lhes dado a notícia tão bruscamente. Vi vocês virem visitá-lo várias vezes, então imagino que eram amigos dele.

— Éramos mesmo — respondeu Suzana, desatando a chorar.

Frisky agora latia ainda mais alto.

— Eu só vim aqui para cuidar do cachorro do velhote e levá-lo para o canil da cidade — disse o vizinho.

— Oh, por favor, não faça isso! Nós cuidaremos dele — implorou Suzana.

— Não sei, não...

— Por favor, senhor!

— Bem... acho que não teria problema.

— O vizinho colocou uma corrente em Frisky e o entregou a Chris.

— As crianças lhe agradeceram e voltaram desapontadas pelo mesmo caminho pelo qual vieram.

* * *

— Sempre gostei de visitar o Sr. Carlos — disse Susan mais tarde, quando os cinco se encontram no Barracão. — Ele era como um avô para mim depois que o meu morreu. Quando estávamos com ele parecia que o tempo voava.

— Ele nos ensinou muitas coisas — acrescentou Calebe.

— E ele não era nem um pouco esquisito — disse Karen. — Talvez fosse diferente, mas não era maluco como as pessoas diziam. Quem me dera tê-lo conhecido melhor.

— Tenho certeza que ele está feliz agora. Provavelmente está se sentindo muito melhor — disse Christopher, tentando consolar os outros e a si mesmo.

— O Sr. Carlos era a pessoa mais interessante e divertida que já conheci — disse Edgar. — Vou sentir saudades dele.

Os outros quatro acenaram afirmativamente com a cabeça e fez-se silêncio enquanto Chris dizia:

— O que vamos fazer com as moedas?

— O Sr. Carlos disse que elas são valiosas, não foi? — começou Karen.

— Você está sugerindo que as vendamos? — perguntou Calebe.

— Eu não disse isso. Mas já que são nossas, seria interessante saber quanto elas valem — respondeu Karen. — Podíamos pelo menos levá-las para serem avaliadas por alguém que compre moedas.

— Acho que não faria mal nenhum nos informarmos — disse Chris.

— Concordo — disse Calebe. Edgar também concordou, e Susan apenas encolheu os ombros.

— Onde vamos encontrar uma loja de moedas? — perguntou Edgar.

— Podíamos fazer uma busca na internet para ver se tem uma nas redondezas — disse Karen.

— Calebe fez uma busca no seu smartphone e os outros se juntaram em volta dele.

—“Mundo das Moedas” e “Espaço dos Colecionadores de Moedas” — disse ele. É o que tem na nossa cidade. Parece que “O Mundo das Moedas” fica mais perto. É na avenida Santos Dumont.

— Avenida Santos Dumont! — exclamou Susan. — É um pouco…

— Um pouco o quê?

— Não, não é nada. Mas tem um ônibus que passa bem em frente da loja. Podemos entrar e sair num abrir e fechar de olhos.

Com a caixa das moedas em mãos, as crianças pegaram um ônibus que as deixou bem na frente da loja de moedas com paredes brancas recém-pintadas e prateleiras de metal, que destoava um pouco naquele bairro tão simples.

— Não parece ser dos melhores bairros da cidade — observou Calebe.

— Foi o que pensei— disse Suzana.

Mas a loja parece boa — mencionou Chris. —Só queremos que nos digam quanto valem nossas moedas.

— Agora estamos aqui, e é tarde demais para irmos a outro lugar antes de escurecer — disse Karen. — E quem nos garante que outro lugar vai ser melhor?

— Vamos em frente! — concluiu Chris.

— Esperem! Acho que estamos esquecendo algo... — disse Suzana pouco antes de entrarem na loja. Desde o começo, ela não tinha muita certeza se deviam fazer isso. Parecia que faltava algo.

É isso! pensou, lembrando que o Sr. Carlos lhes dizia com frequência que, quando não tivessem certeza de algo ou não soubessem o que fazer, deveriam orar.

Mas até agora nem nos lembramos de orar.

— Esquecendo o quê? — perguntaram os outros garotos.

De repente, Suzana ficou envergonhada e corada.

Era outra história quando o Sr. Carlos os lembrava de orar, mas eu mencionar... Suzana fez uma careta ao pensar nisso.

Além do mais, só vamos avaliar as moedas. Só isso.

Encolhendo os ombros e olhando para baixo, ela respondeu:

— Nada, não... é que eu... ah, não é nada!

Uma campainha anunciou a entrada das crianças quando abriram a porta do Mundo das Moedas, e um homem, supostamente o gerente, saiu de trás de uma cortina com um grande sorriso, obviamente falso, estampado no rosto. Ele usava muito gel no cabelo e um bigode grosso que escondia o seu lábio superior. Seus olhos eram escuros e pequenos, desalinhados devido ao nariz quebrado. Frisky demonstrou imediatamente a sua antipatia por ele com uma série de rosnadas ameaçadoras, mas sossegou depois que Calebe o mandou calar.

— Olá, Sr. … — começou Chris.

— Meu nome é Manchester, Sr. Manchester, mas as pessoas daqui me conhecem por Sid. O que posso fazer por vocês, garotos?

— Sr. Sid, nós temos algumas moedas que uma pessoa nos deu, e gostaríamos de saber se poderia dar uma olhada— disse Karen.

— Esse é o meu trabalho. Deixe-me vê-las.

Chris tirou a caixa de madeira de dentro da mochila e a colocou no balcão de vidro, abrindo cuidadosamente a tampa. O dono da loja arregalou os olhos e depois, fingindo indiferença, examinou cada uma das moedas cuidadosamente com a lupa. Depois de consultar alguns livros na sua estante, ele colocou a lupa no balcão e olhou de perto os cinco amigos.

— Onde mesmo é que vocês disseram que as conseguiram? — perguntou.

— De um senhor idoso que era muito nosso amigo.

— Era?

— Ele morreu.

— Hum. Mas então ele lhes deu as moedas?

— Isso mesmo.

— E onde foi mesmo que ele disse que as conseguiu?

— Ele disse que seu pai as havia dado a ele.

— Mas por que o senhor está fazendo todas essas perguntas? — indagou Suzana.

— Na minha profissão, todo cuidado é pouco.

— Cuidado?

— Bem, minha jovem, é como...

— Poderia apenas nos dizer quanto elas valem? — disse Chris.

O homem deu um sorriso forçado, apoiou os antebraços no balcão de vidro e inclinou-se para a frente. Balançou a cabeça e deu um sorriso.

— Devo lhes dizer que essas moedas são boas imitações... muito bem falsificadas, de fato. Qual era a profissão desse velho senhor?

— Ele era missionário.

— Viajou pelo mundo inteiro — acrescentou Edgar.

— Ha então isso explica tudo. Os nativos desses países estrangeiros estão sempre tentando empurrar moedas falsas aos viajantes. Essas moedas nem valem o metal do qual foram feitas. Entendem?

— Não, não entendemos — disse Chris. O Sr. Carlos disse que essas moedas eram bem valiosas e que foram passadas na sua família de geração em geração. Elas deveriam valer algo pelo menos por serem antigas.

— Você é um garoto inteligente, mas ingênuo. Sim, se elas tivessem sido passadas através de seja quantas gerações fossem...

— Dez — interrompeu Suzana.

— Dez, que seja — disse Manchester, mostrando-se irritado. —O que estou lhes dizendo é que essas moedas não têm mais de dez anos, e com certeza não vieram da Roma antiga.

O que quero enfatizar é que normalmente os velhos inventam histórias. Eles começam a ficar caducos e contam um montão de coisas que nunca aconteceram.

— O Sr. Carlos não era maluco — disse Edgar. Só porque ele morreu, não quer dizer que ele não conseguia pensar direito.

— Olhem, vou comprar estas moedas para lhes fazer um favor. Parece que esse senhor idoso era bem importante para vocês.

— Era mesmo — disse Suzana.

— Tudo bem, eu pago vinte dólares por elas. Posso colocá-las na vitrine. Talvez atraia alguns clientes.

— Só vinte? Mas o Sr. Carlos disse que elas eram muito valiosas.

— Obviamente ele não conhecia muito bem as suas moedas. Por outro lado, eu sou perito nisso, e estou lhes dizendo que ninguém vai pagar mais do que isso. Mas elas fariam uma decoração fantástica!

— Nós não temos interesse em vendê-las, Sr. Sid — disse Karen determinada. Mesmo que elas não valham nada para você, valem algo para nós.

— Karen tem razão — disse Calebe. — Pelo menos nos fazem lembrar do Sr. Carlos, mesmo não sendo valiosas.

— Talvez devêssemos pedir uma segunda avaliação em outro lugar — sussurrou Suzana.

— Não seja ridícula... veja bem, eu só queria ajudar — disse Sid trocando rapidamente a carranca por um sorriso. —Mas como vejo que já tomaram a decisão de ficar com as moedas, nosso negócio acabou aqui. Tenham um bom dia, crianças.

Ele abriu a porta e acompanhou as crianças para fora da loja. E da próxima vez, não tomem o meu tempo.

Enquanto as crianças atravessavam a rua para a parada de ônibus, Manchester fechou a porta da loja e virou o sinal de “aberto” para “fechado”.

* * *

A volta no ônibus foi silenciosa, exceto por alguns suspiros de decepção. De cara fechada, Chris apertou a mochila onde se encontrava a caixa com as moedas.

— Sem valor, hã? —murmurou. — Duvido.

Suzana olhava fixamente para fora da janela, absorta em seus pensamentos. Por que será que eu achei que não devíamos entrar naquela loja? Aquele homem não era nada simpático, mas não aconteceu nada. Eu só estava preocupada achando que poderíamos perder as moedas. Mas elas nem valem nada, de acordo com o homem...

— Suzana! — chamou Karen, batendo no seu ombro.

— Que... que foi?

— Chamei você umas três vezes. É o nosso ponto.

— Ah sim, claro... — exclamou Suzana e seguiu os outros para fora do ônibus. Quando o ônibus partiu, ela parou por um momento.

— Sinto falta do Sr. Carlos — sussurrou.

— Ei, você não vai ao Barracão com a gente?

— Não, Karen. Acho que vou voltar para casa agora.

— Você está bem? Você parece distante.

— Estou bem. Até amanhã.

— Está legal — disse Karen, correndo para alcançar os meninos, que caminhavam desconsoladamente pela calçada em direção à casa de Christopher, onde ficava o seu clubinho, nos fundos da casa.

Os cinco estavam tão absortos na sua tristeza que nem repararam em um sujeito magro que havia entrado e descido do ônibus junto com eles. Mas Suzana, que estava caminhando na direção oposta, ouviu um sussurro falando dentro da sua cabeça.

Olhe para trás.

— O quê? — perguntou ela em voz alta.

Apenas olhe para trás, insistiu o pensamento.

Ela parou de andar e virou-se a tempo de ver o último dos quatro dobrar a esquina.

— E agora? — murmurou.

De repente uma silhueta delgada e alta saiu de trás de uma árvore. Parecia estar observando a rua para ver se alguém o tinha seguido. Ele parou quando olhou na direção dela. Susana entrou rapidamente num portão próximo e, percebendo que era o seu próprio portão, correu em direção à porta e entrou rapidamente.

— Suzana?

— Sim, sou eu, mamãe — disse ela, correndo escada acima para o seu quarto, para tentar ver o homem da janela.

Como a rua era bem iluminada, não foi difícil ver o homem. Parecia que ele estava seguindo os seus amigos bem de perto, mas depois atravessou tranquilamente para o outro lado da rua e foi embora. Suzana ficou esperando na janela, mas não o viu mais. Então a mãe a chamou para jantar.

O que está acontecendo comigo? pensou Suzana, ao descer a escada. Tenho um pressentimento de que algo ruim vai acontecer, mas não sei o que é. E depois começo a pensar que tudo o que fazemos vai atrair algo ruim.

Isso é ridículo, concluiu ela, e tentou não pensar mais no assunto.

Mas naquela noite, deitada na sua cama, ela ficou pensando em tudo o que tinha acontecido naquele dia: a notícia do falecimento do Sr. Carlos, a ideia de verificar o valor das moedas, a advertência que tinha sentido, o dono da loja antipático, a voz que a tinha feito se virar a tempo de ver o homem que parecia os estar espiando...

Devo estar cansada, ponderou, ele nem sequer os seguiu. Pelo menos eu não consegui ver. Não, foi apenas um dia longo e eu estou cansada.

Mas, assim que fechou os olhos, lembrou-se das palavras do Sr. Carlos: Só porque algo não faz sentido, não quer dizer que a voz que ouve sussurrando no seu coração esteja errada. Às vezes, Deus nos avisa para termos cuidado ou para não fazermos algo, e dar ouvidos a essa voz é sinal de sabedoria. Caso contrário, talvez tenhamos que lidar com problemas inesperados.

— Jesus, por favor — orou. — Ajude-me a não ter medo de mencionar as coisas aos meus amigos, mesmo que pareça estranho. Desculpe-me por não ter dado atenção à voz que me disse que devíamos ter orado antes de entrar naquela loja. Seria terrível se algo acontecesse por eu não ter dito nada.

Enquanto fechava os olhos para dormir, ela podia ouvir a voz do Sr. Carlos na sua mente citando um dos seus versículos favoritos da Bíblia: “Todas as coisas contribuem para o bem daqueles que amam a Deus.”

E com esse pensamento ela adormeceu tranquilamente.

Continua...

Autoria de Peter van Gorder. Ilustrações de Jeremy. Design de Roy Evan.
Publicado pelo My Wonder Studio. Copyright © 2022 A Família Internacional
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