“Você está triste, meu amor?” perguntou a rainha ao seu marido, o Rei Máchical.
Era uma linda noite no planeta Existância, e suas Majestades passeavam pelos jardins do palácio.
“Como eu gostaria de conhecer melhor o meu povo!” disse o rei. “Estou procurando ver como as coisas realmente são para tornar a vida das pessoas mais agradável.”
“E você tem alguma ideia?”
“Temos falado do aniversário de Lagrimone no ano que vem, e que gostaríamos de encontrar uma esposa para ele.”
“Sim, com certeza me lembro,” respondeu a Rainha Arienne.
“Acho que esta é uma maneira de sabermos mais sobre o meu povo. Se Lagrimone se casasse com uma moça que não viesse de linhagem nobre, poderíamos entender melhor o nosso povo, e ele seria um rei mais sábio quando assumisse o trono.”
“Ótima ideia!,” disse a Rainha Arienne. “Seria realmente uma maneira maravilhosa de aprender mais sobre o nosso povo.”
Mas o Rei Máchical estava diante de um dilema.
Não pode ser qualquer esposa, pensou. Como vou poder escolher a esposa certa para Lagrimone, e a princesa certa para Existância? Vai ser muito difícil. Como escolher... estou num mato sem cachorro. … Mato? Ah, esplêndido, isto me deu uma ideia!
Bong!
O rei tocou o pesado gongo que usava para chamar seus poucos servos de mais confiança.
“Tenho uma incumbência especial para vocês,” disse aos servos que haviam corrido até à sala do trono assim que ouviram o gongo. “Quero que me ajudem a encontrar uma esposa para o Príncipe Lagrimone e uma futura princesa para Existância. Vasculhem todo o reino em busca de mulheres lindas e de excelente caráter, e tragam-nas aqui para eu poder escolher a melhor esposa para o meu filho.”
Os servos do rei Máchical vasculharam cada cantinho do reino. Muitas moças foram escolhidas e levadas ao enorme palácio do rei. Algumas eram tão lindas como as pedras preciosas que brilhavam nas paredes do palácio do Rei Máchical, e outras de aparência mais modesta. Os servos escolheram as moças por várias razões—sua inteligência, bons modos, habilidades em artes manuais e comércio. E outras foram escolhidas pela sua simplicidade e humildade.
Assim que as moças chegaram, o rei ordenou que fossem conduzidas a uma sala enorme e ricamente decorada até ele ir falar com elas
O Rei Máchical pensou, “Devo fazer um teste para determinar quem será a noiva. Tenho que estar certo do tipo de esposa que ela vai ser. Deverá ser uma mulher sábia, compassiva, paciente e, ainda mais importante, íntegra de caráter.”
“Minha querida Rainha,” disse o Rei Máchical, com um sorriso confiante. “Tenho um bom pressentimento com relação a isto. Acho que vamos encontrar a noiva certa para o nosso filho. E tenho um plano que estou certo vai funcionar.”
Tum ta ta tum!
Soou a trombeta ao abrirem as portas da grande sala.
“Rei Máchical, o Grande, o mais poderoso, a grande majestade de Existância, e a Rainha Arienne, e seu amado e único filho, o Príncipe Lagrimone, vão agora honrá-las com sua presença,” anunciou o arauto.
As moças correram para os espelhos enormes na sala para arrumar os vestidos, endireitar um pouco mais seus cachos, e apertar os lábios e bochechas para ficarem corados. Estavam ansiosas para saber quem seria escolhida.
Quando suas Majestades entraram na sala, as moças se curvaram em reverência.
“Levantem-se,” disse o Rei Máchical. “Como sabem, estão aqui hoje porque uma de vocês se tornará a esposa de meu Filho em pouco tempo.” O Rei Máchical sorriu para o Príncipe Lagrimone ao seu lado. “Disseram-nos que todas são ótimas jovens e muito charmosas,” continuou o Rei Máchical. “Portanto, escolher a próxima princesa não é uma tarefa fácil. De modo que decidi deixar por sua conta resolver quem deverá ser a esposa de meu Filho.
“Darei a cada uma de vocês uma semente. Vocês deverão cuidar dela—regá-la, alimentá-la e ver que a semente seja bem cuidada. Em pouco menos de um ano, no aniversário de meu filho, deverão voltar a esta sala, como eu também. Quando estivermos todos juntos, vocês me mostrarão o que aconteceu com a sua semente. A moça que cuidar melhor de sua semente mágica se casará com o meu filho, e se tornará a princesa de Existância.”
O Rei Máchical então enfiou a mão num saco que um servo havia levado à sala e pegou uma mão cheia dessas sementes aparentemente mágicas para mostrar a todos.
“Dê uma semente a cada moça,” disse o Rei Máchical ao Príncipe Lagrimone, oferecendo-lhe o saco com as sementes.
O Príncipe Lagrimone foi por toda a sala, de moça em moça, dando-lhes uma única semente. As sementes eram muito diferentes umas das outras, algumas tinham cores vivas, outras eram de tons mais amenos, mas todas possuiam um brilho especial e ímpar.
Quando o Príncipe Lagrimone deu uma semente à última moça na sala, notou que a semente era bastante sem graça em comparação com as outras. Ela era amarronzada e sem brilho, com um risco branco. Buscou nervosamente outra semente no saco, mas era a última. Tinha apenas o número certo por moça, nenhuma semente extra.
É melhor confiar em meu pai, pensou o Príncipe. Tenho certeza que seu plano é sábio. E, apesar de parecer que as sementes dadas a algumas são mais bonitas do que outras, provavelmente a mágica das sementes não tem nada a ver com a beleza delas, mas sim com os cuidados que lhes serão dispensados.
Modéstia, a moça que ganhou aquela última semente tão singela, recebeu com gratidão o que lhe foi dado. Fez uma reverência e deu um sorriso. O Príncipe retribuiu o sorriso e foi para junto dos pais.
“Lembrem-se de cuidar deste presente,” foram as últimas palavras do Rei Máchical ao sair da sala acompanhado da rainha, do príncipe e de todos os servos, deixando as moças mais uma vez a sós.
“Que injustiça, Megéria”, gritou Concélia, uma das moças. “A sua semente é mais bonita do que a minha. Com certeza vai virar uma flor mais bonita. Mas eu sou mais bonita do que você, então a minha semente deveria ser mais bonita do que a sua.”
“Eu ganhei a maior e mais linda semente,” respondeu Megéria. Talvez porque o príncipe me ache mais linda do que você.” E repetiu para si mesma, olhando o seu reflexo no espelho, “Muito mais linda.”
Concélia, tomada de medo e inveja, organizou um grupo de moças que pensavam como ela e, no meio da noite, as invejosas foram roubar as sementes que consideravam mais lindas do que as que haviam recebido, esperando que as outras moças não notassem a diferença.
“Entrou um ladrão aqui esta noite!” gritou uma das moças cedo na manhã seguinte, quando descobriu que a sua semente, que era de um lindo vermelho profundo, havia sido substituída por outra rosa claro. “Quem de vocês fez isto?” inquiriu já começando a vasculhar as camas mais próximas. O alarido alarmou as outras moças, que também foram checar suas sementes e viram que tinham sido substituídas. Aparentemente, muitas outras sementes haviam sido trocadas, e as moças começaram a discutir e a brigar para encontrarem as sementes que haviam recebido originalmente do rei.
Contudo, nessa busca descobriram que cada semente exercia uma atração ímpar em sua dona, de modo que cada moça era atraída à semente mágica que havia recebido originalmente, não importava onde estivesse escondida.
Apesar de algumas sementes parecerem mais lindas do que outras, quando uma moça pegava uma semente que não era a sua, logo percebia que aquela que havia lhe sido dada pelo Príncipe era a melhor para si, e a furtada havia sido transformada em uma semente sem graça longe das mãos da dona.
Assim que as moças que haviam furtado as sementes viram que elas pareciam diferentes agora em sua posse, devolveram-nas envergonhadas e receberam mais uma vez a que lhes havia sido dada originalmente.
E assim, todas as sementes voltaram para as mãos de quem as havia recebido. Todas menos uma.
“Por favor, meninas, vocês viram a minha semente?” perguntou Modéstia procurando ao redor de sua cama.
“É uma semente singela. Não brilha, é de um marrom sem graça ... a semente que perdi. Quero tanto cultivá-la.”
“Nenhuma de nós a tem,” disse Megéria. “Você deve ter deixado em algum lugar. Olhe nas suas coisas de novo.”
“É, vou checar mais uma vez”, respondeu Modéstia.
Modéstia checou os vários bolsos de seu vestido e sua pequena bolsa. E, como não podia deixar de ser, encontrou sua preciosa semente. Na correria para ver se a sua semente havia sido ou não roubada pela manhã, a deixara cair de seu bolso.
“Você não tinha nada com que se preocupar, Modéstia,” Disse Mundania. “Ninguém jamais roubaria a sua semente. É simples demais! É a menor e mais sem graça,” disse com um risinho.
“Eu achava que a minha semente cor de safira era sem graça e pequena até ver a sua,” disse Linda. “Ha, ha, ha!” E muitas outras moças se uniram a ela zombando de Modéstia.
As moças tinham razão. A semente de Modéstia era bem singela. Ao observar bem a sua semente, Modéstia percebeu que parecia uma semente de trevo.
“Imagino que só me resta ser fiel com a minha semente e cuidar dela de todo o coração,” pensou ela.
Por toda Existância, nas casas das moças que tinham sido escolhidas pelos servos do rei, lindas plantas com belíssimas flores começaram a brotar daquelas sementes mágicas. Algumas pareciam delicadas e que precisavam de cuidado terno e constante. Outras pareciam mais fortes e resistentes. As flores eram de várias cores, desde um branco alvíssimo até um azul anil e um violenta vibrante. Algumas brotaram com cachos de flores, outras eram arbustos sem flores. Diariamente, via-se cada uma daquelas moças em seu jardim cuidando de sua plantinha — que determinaria se ela se tornaria ou não a princesa.
Por quase um ano, cada manhã quando despontava a estrela Reluzente, Modéstia corria para o seu pequeno jardim e cuidava de sua preciosa semente. Era a primeira das muitas vezes que ele ia ao jardim para observar o crescimento da plantinha. Mas, ao contrário das outras sementes mágicas, a sua aparentemente não queria brotar.
Agora, faltando apenas duas semanas para a comemoração do aniversário do príncipe, Modéstia se pôs a chorar. Sua semente ainda não tinha brotado!
Tem tão pouco tempo para ela amadurecer, mesmo se brotasse hoje, pensou.
Ela se ajoelhou perto do pote onde havia plantado a sua semente e cuidado bem do solo, e apesar da tristeza que sentia e das lágrimas que segurava, ela sorriu bravamente.
“Eu não entendo,” sussurrou. “Pensei que ia crescer e dar uma flor linda e rara. Nos meus sonhos você era a planta mais especial de todas. Mas ainda é uma semente, igual ao dia em que a recebi.” Modéstia se levantou, e enquanto estava ali ao lado de sua planta uma lágrima escorreu de seu rosto e caiu no solo embebendo a semente. “Mas vou continuar a cuidar de você de todo o meu coração.”
Tendo tomado essa decisão, foi para casa com o regador na mão. Quando voltou um minuto depois, para sua grande alegria viu que a semente havia germinado.
“Você é mesmo uma semente mágica!” exclamou Modéstia ao ver seu pequeno broto. “Foi a minha lágrima que lhe deu vida?”
No final das duas semanas, aquela plantinha havia crescido e ficado toda florida com trevos brancos.
“Você pode ser pequena, mas é tão linda,” disse à flor de trevo branco. Apesar de ter uma aparência singela, para Modéstia sua plantinha era a mais linda de todas as flores.
E assim passaram-se os dias até o aniversário do príncipe, enquanto se faziam todos os preparativos para a celebração de aniversário e casamento.
Finalmente chegou o grande dia. As moças vestiram seus trajes mais lindos e adornaram o cabelo com fitas e outros enfeites. Cada uma queria ser notada, apesar de saberem que sua flor ou planta é o que iria determinar o resultado daquele dia emocionante.
Todas as moças voltaram a se reunir na mesma sala ampla onde meses antes haviam recebido sua semente.
A sala estava cheia de plantas que cada uma havia cultivado. Algumas eram grandes, outras não tão vistosas em tamanho nem em cor, contudo tinham flores extremamente cheirosas. Cada uma das plantas que as moças levaram tinha alguma qualidade extraordinariamente fascinante. E então entrou Modéstia na grande sala e ouviu-se muitas moças engasgarem.
“Mas que planta é essa?” perguntou uma das moças bem alto.
“Coitada de Modéstia, o rei só vai rir de sua plantinha,” sussurrou outra para moça ao seu lado.
Ignorando o burburinho, Modéstia ficou observando o seu trevo. É verdade, pensou. Você é mesmo bem singela. E por mais importante que seja para mim ou para quem me deu você de presente, não é a planta mais extraordinária nesta sala. Há tantas outras plantas exóticas e de uma beleza rara aqui, que eu sei que nunca me casarei com o Príncipe Lagrimone. Mas, pelo menos fui fiel com o que ele me deu.
Tum ta ta tum!
Ouviu-se o alto clamor das trombetas por todo o canto, e o arauto anunciou a chegada da realeza. Todas as moças ficaram ao lado de suas plantinhas, quando o Rei Máchical, a Rainha Arienne, e o Príncipe Lagrimone entraram na sala cheia de donzelas.
“Que lindo,” disse o Rei Máchical, ao passar por cada planta. “Puxa, a sua é extraordinária!” disse a várias moças, cujas plantas verdadeiramente eram de uma beleza esplêndida.
Ao ver o trevo branco de Modéstia, o Rei Máchical lhe disse, “Por favor, vá para lá, minha querida.”
Ela foi até uma parte onde não havia ninguém na sala. “Será que Modéstia vai ser punida por não ter uma planta tão linda como a nossa?” sussurrou uma moça.
Os olhos de Modéstia se encheram de lágrimas. O rei não deve estar satisfeito com a minha planta! Pensou.
Depois de olhar cada planta, o Rei Máchical foi até o canto da sala onde Modéstia o esperava.
“Por que está chorando, minha querida?” perguntou o rei.
“Eu choro, Majestade, porque temo que a minha planta não seja digna de estar na sua presença, apesar de ter sido importante para mim desde o dia em que a recebi de seu filho. Eu gostaria tanto que a minha planta não fosse uma decepção para o senhor.”
“Ah, mas você está enganada!” exclamou o Rei Máchical com alegria. “Pois é você que vai se casar com o meu filho!”
“Mas como isso é possível?” perguntou Modéstia. “O senhor disse que ele se casaria com a moça que tivesse cultivado a planta mais extraordinária dentre todas as sementes que ele deu.”
“A sua, Modéstia, é a mais extraordinária de todas as sementes que eu dei...” começou o Rei Máchical a dizer, mas logo foi interrompido por várias moças que começaram a protestar.
“Isso não é possível! A minha é a mais linda!”
“Não! A minha planta é a mais extraordinária de todas,” clamou outra moça.
“Senhoritas, permitam-me explicar!” disse o Rei Máchical levantando a mão pedindo silêncio. “As suas plantas e flores podem ser lindas, mas a de Modéstia é a única que germinou a partir da semente que lhe dei. Eu sei disto porque dei a cada uma de vocês uma semente de trevo, apesar de estarem elegantemente disfarçadas com cores e brilhos. E não só isto, mas dei um toque mágico às sementes para que só germinassem se fossem regadas com uma lágrima cheia de amor.
“Quando as suas sementes não germinaram no tempo esperado,” continuou o rei, “vocês provavelmente a devem ter rejeitado e comprado uma outra—da qual germinou a planta que trouxeram hoje aqui. Portanto, é evidente que Modéstia é a única que cuidou fielmente da semente que recebeu. E agora que a verdade foi revelada, Modéstia se casará com meu filho.”
Nenhuma das moças protestou. O rei havia dito a verdade.
O cuidado terno, fiel e amoroso que Modéstia dispensara ao seu simples presente a colocou em uma posição de grande honra. Ela se tornou a princesa de Existância! Modéstia provara sua devoção, lealdade, amor e honestidade. Ela simplesmente foi fiel em fazer o que podia, mesmo que, aparentemente, não receberia algo em troca.
O príncipe Lagrimone e Modéstia foram feitos um para o outro. Casaram-se naquele mesmo dia, e o Príncipe passou a governar junto com seu pai e com muita sabedoria o povo de Existância — com Modéstia ao seu lado.
Adaptação de R. A. Watterson da história original de Evye. Ilustrações de Evye. Design de Roy Evans.Publicado por My Wonder Studio. Copyright © 2021 A Família Internacional