Quando regressava à cidade de Filos, o cavaleiro Sir Galante se perdeu e entrou no Reino de Vog. Passou perto de uma taverna à beira da estrada e desceu do cavalo, mas não encontrava ninguém que soubesse lhe explicar como chegar a Filos. As pessoas que encontrou disseram que ele tinha entrado no Reino de Vog e que seria bom ele voltar rapidamente para o lugar de onde havia vindo, porque nesta terra eles não gostavam de estranhos.
Ao entrar na taverna para pedir informações, Sir Galante reparou no comportamento estranho daquelas pessoas. Os clientes que enchiam a taverna não paravam de se queixar uns para os outros da sua sorte e como seus vizinhos tinham mais do que eles. O som de reclamação permeava cada canto do cômodo. Sir Galante observou o dono da taverna servir uma caneca de cerveja e o cliente descontente se queixar que a caneca não era grande o suficiente.
— Mas o que é que você quer, um balde? Se quer mais cidra, dê-me mais dinheiro — gritou o dono da taverna, gesticulando com a mão na frente do rosto do homem.
O homem empurrou sua mão estendida e engoliu a cidra, enquanto resmungava:
—Mais dinheiro? Você recebe mais dinheiro do que merece.
Uma mulher sentada ao lado dele, pigarreou e depois disse para o dono:
—Desculpe, mas eu quero reclamar de uma coisa. Minha sopa não tem ervilhas suficientes, e mal se pode dizer que isto é uma fatia de pão.
—Estou vendo bastante ervilha — disse o dono da taverna. — E a fatia de pão tem mais de dois centímetros de grossura.
A mulher deu os ombros e começou a comer.
Sir Galante, não aguentando mais o barulho da taverna, saiu rapidamente, duvidando da sanidade das pessoas daquele lugar.
Tum! Tum! Tum! Um forte som de pegadas ecoava pelo vale, fazendo o chão estremecer e todas as criaturas fugirem para procurar refúgio. Chegara aos ouvidos do Rei Vog que um estranho havia entrado no reino, e Vog não queria que seu domínio fosse perturbado por intrusos que só gostavam de causar problemas.
Vog protegia ferozmente os habitantes do seu reino, porque nas terras vizinhas havia gangues de gigantes malvados e violentos que andavam pelos campos, saqueando e queimando as aldeias e as casas. E apesar de Vog ser um gigante feroz, ele não era malvado.
—Ele foi pela estrada que vai para o seu castelo, sua majestade — informou o homem que tinha visto o estranho na taverna.
—O quê? E o que ele anda fazendo por aqui?
—Não entendi direito... mas ele tinha uma armadura e carregava uma espada.
Ao ouvir aquilo, Vog agarrou na sua espada e saiu disparado do castelo, berrando.
—Verei quem é esse encrenqueiro!
A terra por onde Sir Galante agora cavalgava era árida e sombria, com rochas altas de ambos os lados da estreita passagem que cortava as montanhas.
Sir Galante avançava cautelosamente, atento a qualquer perigo. Ao virar uma curva grande, sobressaltou-se ao ver um enorme gigante na sua frente. Seu cavalo ficou tão sobressaltado quanto ele e parou abruptamente.
—Quem é você? E onde está indo? — berrou o gigante.
—Meu nome é Galante, sou cavaleiro da cidade de Filos e estou voltando para casa — respondeu Sir Galante calmamente, apesar de estar tremendo por dentro, visto que o gigante tinha mais de três vezes a sua altura.
—Então você está indo na direção errada — disse o gigante.
—Eu me perdi e estou procurando alguém que me indique o caminho para a cidade de Filos, mas não encontrei quem pudesse me ajudar.
O gigante o observou desconfiado.
—Bom senhor, qual é o seu nome? — perguntou Galante educadamente.
—Você não sabe quem eu sou? Sou Vog, o rei desta terra. E aquele é o meu castelo — disse apontando orgulhosamente para uma grande fortaleza no horizonte. E depois continuou como se tivesse lembrado que precisava manter sua reputação — E você não tem nada que fazer aqui! Precisa voltar atrás e seguir seu caminho.
O gigante olhou furiosamente para Sir Galante e fingiu estar desembainhando a enorme espada que tinha do lado.
O sol havia se posto, deixando apenas um resto de luz no horizonte, e logo estaria escuro. Sir Galante, cansado e esgotado de viajar o dia todo, não conseguia pensar em voltar pelo mesmo caminho àquela hora do dia.
—Desculpe, eu não sabia. Mas posso ousar pedir a Vossa Majestade a gentileza de dar a um viajante cansado um pouco de comida e um lugar para descansar a cabeça durante a noite?
Vog ficou surpreso com o pedido. O cavaleiro falara com tanta cortesia, que Vog ficou de tal maneira impressionado com seus bons modos que acabou meneando a cabeça afirmativamente.
—Só uma noite... e terá que partir pela manhã — respondeu Vog. — Siga-me.
—Muito obrigado, Vossa Majestade — respondeu Galante.
O gigante resmungou e depois deu meia volta para mostrar o caminho até seu castelo.
Quando chegaram ao portão do castelo, um dos criados conduziu o cavalo de Sir Galante ao estábulo, enquanto ele seguiu o gigante até a enorme sala de jantar. O jantar estava na mesa e dois criados aguardavam para servir.
Tinha um grande pato assado no centro da mesa, e também batatas e cebolas assadas, linguiças, torta de ovos e presunto, e tortas de maçã.
Vog fez um gesto para o cavaleiro se sentar e comer, e quando ambos estavam satisfeitos, começou a fazer muitas perguntas sobre a cidade de Filos. Tinha ouvido rumores de que não havia brigas nem disputas nessa terra, e que as pessoas repartiam tudo o que tinham.
—É verdade que nesse lugar não há disputas entre os habitantes? — perguntou Vog.
—Sir Galante afirmou que era isso mesmo, pois no seu país todos tratavam os outros como gostariam de ser tratados. Sir Galante comentou como era estranho ver pessoas como as que encontrara na taverna, e perguntou porque seus súbditos agiam assim.
O gigante começou a contar a triste história do seu reino, e como as pessoas só se importavam com o seu bem-estar e pensavam muito pouco nos outros. Discutiam por todo o lado, e Vog tinha que resolver continuamente suas disputas. Além de ter que resolver os problemas de seu povo, tinha que estar sempre atento a gangues de gigantes que os rondavam e esperavam o momento oportuno de invadir o seu reino para não só lhes roubar os seus bens, mas também fazer as pessoas de escravas. Numa dessas ocasiões, um gigante muito malvado e feio, conhecido como Um Olho Só, tinha travado uma batalha feroz com Vog e, apesar de Vog ter pedido ao povo para lutarem com ele contra Um Olho Só, as pessoas, preocupadas demais com sua segurança, se esconderam até a luta ter terminado. O gigante inimigo quase desferiu um golpe fatal contra Vog com seu enorme porrete, mas, no final, Vog o derrotou e Um Olho Só fugiu.
Devido a essa vitória, o reino não foi invadido por gigantes por bastante tempo, mas agora ele tinha informações de que Um Olho Só havia jurado destruir o reino. Um Olho Só estava planejando um ataque com a ajuda e apoio dos outros gigantes.
—Receio que seja difícil defender a minha terra desse grupo de gigantes chefiado por Um Olho Só com o meu povo dividido e não querendo se unir —disse Vog desesperado. —Não sei como ajudar meu povo a entender a necessidade de se unirem.
Exatamente quando Galante ia falar, Vog terminou abruptamente a conversa, dizendo:
—Chega de falar dos problemas do meu reino. Agora desejo ficar sozinho.
—Boa noite, Vossa Majestade, e muito obrigado pela hospitalidade — disse Sir Galante levantando-se da mesa.
Na manhã seguinte, Sir Galante levantou-se bem cedo. Depois de um bom café da manhã, um criado lhe entregou um mapa que o ajudaria a encontrar o caminho do reino de Vog para a cidade de Filos.
Quando Sir Galante estava saindo pelo portão do castelo, ficou surpreso ao ver Vog aparecer de repente, e lhe entregar um pergaminho enrolado e selado.
—Entregue isto ao seu rei, por favor — disse.
O cavaleiro pegou o pergaminho, fez reverência, e saiu pelo portão do palácio.
Sir Galante chegou à cidade de Filos três dias depois, e entregou a mensagem de Vog.
Tirou o rolo do pergaminho da bolsa e o entregou ao rei.
—Sua majestade —disse — o rei Vog, o gigante, me entregou esta mensagem.
O rei rasgou o selo e leu a mensagem.
—Vog deseja fazer uma aliança com nossa cidade.
O rei, então, disse ao ministro que se encontrava ao seu lado:
—Convoque uma reunião do Conselho. Vamos discutir a proposta desta carta. E você também deve estar lá —disse, olhando para Sir Galante.
Sir Gallante fez reverência e seguiu o rei até a sala do conselho ali ao lado.
Quando os membros do Conselho haviam se juntado, o rei leu a carta em voz alta.
Na carta, Vog contava o problema de seu reino e como desejava que sua terra pudesse ser mais próspera e repleta de paz. Falou de seu breve encontro com Sir Galante, e como ficara impressionado com as boas maneiras e conduta cortês do cavaleiro.
—Se todos os súditos de seu reino forem como Sir Galante, e se conduzirem da forma como ele disse que se conduzem, então acho que vocês, da cidade de Filos, é que podem me ajudar a tornar meu sonho realidade — dizia a carta.
Por esse motivo, peço humildemente à Vossa Majestade que Sir Galante, e membros da sua cidade, ensinem aos súditos de meu reino a arte da cortesia, fraternidade e união. Seu povo pode se estabelecer em minhas terras, pois acredito que meu povo aprenderá mais se observar o seu exemplo de vida diário. Se o meu povo não aprender isso, receio que o próximo ataque de Um Olho Só traga a derrota do Reino de Vog.
Depois de discutirem o assunto, o rei e seu Conselho concordaram em enviar, sob a chefia de Sir Galante, todos que se voluntariassem a se estabelecer no reino de Vog e ajudar a ensinar às pessoas que ali moravam os preceitos de Filos. Sir Galante aceitou alegremente a incumbência.
Pam pam ram pam! Uma proclamação iria ser lida na praça de cada cidade do reino de Vog, com a presença de todos os cidadãos. O próprio Vog participou da proclamação em uma das cidades maiores, e os moradores da cidade estavam curiosos para saber o conteúdo daquele importante anúncio. De pé na praça, havia também um grande número de cavaleiros elegantes e famílias bem vestidas que os cidadãos de Vog nunca haviam visto antes. Era um grande mistério, e logo se ouvia as reclamações dos que estavam ali reunidos.
—Estranhos! — disse um.
—Gente que não presta — disse outro.
E depois da trombeta de corno soar novamente, as pessoas na praça fizeram silêncio e o arauto começou a ler.
—Aos cidadãos de Vog: Eu, o Rei Vog, depois de muito ponderar e de vários anos de deliberação, cheguei à conclusão de que o nosso reino poderia ser próspero, e nossas fronteiras livres de gigantes saqueadores, se somente trabalhássemos juntos em paz. Com isto em mente, dei partes de nossa terra para habitantes de Filos. Os habitantes desta cidade são conhecidos por terem boas maneiras e, acima de tudo, pela camaradagem que reina entre eles. Eles concordaram em se estabelecer nas nossas terras e nos ensinar a arte da cortesia e generosidade. Por favor, aprendam com eles, porque a nossa sobrevivência como reino depende disso. Sinceramente, Rei Vog.
Os cidadãos reunidos na praça ficaram chocados com as notícias; a maioria sabia que o seu comportamento não era admirável, mas o fato de ouvirem que Vog decidira tomar medidas tão drásticas os fez refletir sobre seu comportamento passado. Outros cidadãos concordaram que já tinham dificuldade em se dar bem uns com os outros, mas ainda acrescentar estranhos a essa mistura... certamente era algum equívoco!
Mas para sua surpresa, em pouco tempo, o povo de Vog descobriu que era fácil se darem bem com o povo de Filos, que muitas vezes encontravam um jeito de transformar uma discussão desagradável em uma conversa agradável. Não só isso, mas eles regularmente se desdobravam para ajudar seus vizinhos Vogianos. Os habitantes de Vog em breve estavam copiando os modos do povo de Filos, pois descobriram que a vida era muito mais agradável quando encontravam formas de apreciarem as opiniões e o que cada um pensava. Também descobriram que ajudarem-se uns aos outros tornava a vida mais fácil, e era legal poderem contar com o vizinho para lhes dar um pão ou um pote de manteiga quando lhes faltava em sua despensa. Caso contrário, teriam que passar sem isso.
E, pouco depois dos habitantes de Filos terem se instalado na terra de Vog, ocorreu algo que mostrou aos Vogianos que tinham realmente aprendido a se ajudar uns aos outros e a viverem juntos em união.
Um belo dia de primavera, Um Olho Só apareceu de novo na fronteira do reino de Vog! Mas desta vez, quando Vog conclamou o seu povo para se unirem e lutarem contra Um Olho Só, o povo veio e ficou ao seu lado. E quando Um Olho Só e seus amigos gigantes atacaram, foram pegos de surpresa, porque o exército de Vog lhes havia preparado uma armadilha. Um Olho Só foi morto e seu bando de malvados fugiu.
Contribuição de R. A. Watterson, baseado na história de Barnabas. Ilustrado por Mike T. K. Design de Roy Evans.Publicado pelo My Wonder Studio. Copyright © 2022 por A Família Internacional.