“Pense só! Você vai conhecer uma turma inteira só de crianças, com quem vai poder fazer amizade!” Era o primeiro dia de aula, e a mãe de Tiaguinho o levava para a escola.
“Não é bem assim, mãe,” respondeu Tiaguinho, queixoso. “Ninguém quer fazer amizade comigo. Todo o mundo me acha esquisito.” Tiaguinho queria ter amigos, ser convidado para dormir na casa de amigos, acampar, e ir a churrascos com os outros meninos. Mas suas pernas eram rígidas por causa de uma artrite, razão por que ele usava um aparelho que lhe conferia um movimento um tanto engraçado quando andava.
“Você não é tão diferente das outras crianças. Suas pernas podem ser diferentes, mas isso não o torna esquisito. As crianças só não sabem disso—e é o que você tem que lhes mostrar. Se for amigável, gentil e simpático, sei que vai fazer amigos. Mas tem que fazer a sua parte. Não pode esperar que as outras crianças façam tudo. “Quando um não quer, dois não são amigos”.
Tiaguinho sabia que ele com certeza não ajudava muito a situação. Quando mexiam com ele, ele logo ficava zangado e se fechava, o que não inspirava os meninos a serem seus amigos.
A maioria das crianças na escola provavelmente nunca me viu feliz ou sorrindo. Devem achar que estou sempre triste ou de mau humor.
Tiaguinho sorriu ao decidir que ia tentar começar bem aquele ano na escola. Eu realmente quero ter amigos, então vou tentar ser simpático.
Quando chegou à sala de aula, a maioria dos colegas já estava sentada e a professora ia começar a chamada. Sua nova professora parecia muito doce. Atrás dela, no quadro negro, ela escrevera com uma letra linda, “Srta. Kátia Novaes”.
Tiaguinho foi até à carteira tentando parecer o mais simpático e normal possível, mas não podia deixar de pensar que todos deviam estar olhando para ele e se perguntando qual era o problema com suas pernas e por que ele mancava.
Jogou-se em sua cadeira. Por que alguém aqui haveria de querer ser meu amigo quando pode ser amigo de alguém que anda direito?
“Hora da chamada,” anunciou a Srta. Kátia. Conforme ela lia a lista, cada aluno se levantava para mostrar que estava presente.
“Tiago Lima da Silva!” Tiaguinho custou para empurrar a cadeira para trás para poder se levantar. Os segundos pareciam horas, e sentiu que todos na sala o observavam. Dava para ouvir os pensamentos dos outros alunos...
Olha só, ele não consegue se levantar!
Mas o que há de errado com ele?
Cara, ele deve ser o cara mais chato por aqui.
Tem um deficiente na turma!
Assim que Tiaguinho se livrou da cadeira e voltou a se sentar, a professora disse, “Obrigada, Tiago. No futuro, você não precisa mais se levantar.”
“Tratamento especial para o menino deficiente, hein?” disse uma voz lá no fundo da sala.
“Lucas Carvalho!” Disse a Srta. Kátia bem séria. “Esse comentário foi inapropriado.”
Quando tocou o sinal do recreio, Tiaguinho permaneceu na sala. Olhou pela janela e viu o Lucas—que logo se tornaria o seu “bully” pessoal—que juntou todas as outras crianças para brincar de um jogo que ele tinha escolhido. Era óbvio que todos seguiam o Lucas.
“Não se preocupe com o Lucas.”
Tiaguinho virou-se e viu uma menina de pé a umas duas carteiras de distância dele, com um livro na mão.
“Oi, meu nomem é Joana Menezes, também sou desta sala. Prazer em conhecê-lo.”
“Ã-ah, prazer também. Você não vai brincar lá fora?”
“Eu faço aula de balé depois da escola, então gosto de poupar minhas energias. Além disso, prefiro ler. E você?”
“Ah, sim… quer dizer, ler também é uma das coisas que eu mais gosto de fazer. Tenho uma biblioteca e tanto em casa. Você devia… ve-ver.”
“Com certeza,” respondeu Joana. Ela sentou-se e começou a ler atentamente.
O coração de Tiaguinho batia mais forte. Alguém tinha conversado com ele! Alguém tinha se interessado por ele. Alguém tinha ido até ele e dado um “alô”.
Lembrou-se de dois meses antes, no final do ano letivo. Tinha recebido todos os prêmios que poderia ter conquistado, mas aquilo não importava para ele, porque não tinha amigos. Ele não tinha sido convidado para nenhuma das festas de final de ano escolar sobre as quais todas as crianças conversavam e para as quais se preparavam. Sentia-se excluído.
Certa noite, na viagem para um acampamento que seus pais tinham planejado para ajudá-lo a se sentir melhor, Tiaguinho havia orado: “Querido Jesus, papai e mamãe me dizem que Você me ama e cuida de mim. Eu acredito neles, porque sei que eles me amam e que nunca me diriam alguma coisa que não fosse verdade. Não sei se pode ou não fazer isto por mim—talvez eu seja muito ruim para Você me ouvir ou atender às minhas orações—mas minha oração e desejo é que Você me dê um amigo. Não sei como fazer amizades com as crianças na escola, e preciso de ajuda. Você me ajudaria de alguma forma?”
Será que esta é a resposta à minha oração? Será que Joana é a amiga que Deus está me enviando? Será que Ele estaria mesmo respondendo à minha pequena oração daquela noite, meses atrás?
“Hora da aula. Vamos pegar os livros de História.”
Tiaguinho abriu seu livro. No final do dia, a sala logo ficou vazia. Tiaguinho foi o último a sair de tão absorvido que estava em suas anotações sobre o dever de casa.
“Tiaguinho,” disse a professora, “você é um aluno muito atento. Gosto disso, e acho que o ano vai ser bem legal.”
“Obrigado, Dona Kátia.”
Tiaguinho estava sozinho, ou pelo menos era o que pensava, quando sentiu uma mão tocar em seu ombro. Virou-se e viu Joana ao seu lado, de livro na mão.
“Ah, você me deu um susto! Achei que eu era o único aqui.”
“Eu só queria dar tchau. Até amanhã!”
“Ah, tá, tchau!” disse Tiaguinho, sorrindo de orelha a orelha.
Os dias se passaram e Tiaguinho e Joana se tornaram bons amigos. Apesar do Lucas implicar com ele, ter Joana como melhor amiga ofuscou todas as outras situações.
Certo dia, Joana disse a Tiaguinho, “Tenho uma coisa pra lhe dizer, mas acho que você não vai gostar.”
“O que é?” perguntou Tiaguinho com os pensamentos mais horríveis passando pela sua cabeça. Ela talvez não queira mais ser minha amiga, pensou, preparando-se para o pior.
“Eu estou muito feliz por ser sua amiga,” disse Joana, “mas não acho certo você não ligar para mais ninguém. Não se importa se eles são seus amigos ou não, ou se dizem coisas boas ou ruins de você. Sei que não estão sendo legais, mas você também não está se esforçando para ser amigo de ninguém ou tratar bem as outras pessoas. Às vezes, parece que você finge que os outros não existem.”
Verdade, pensou Tiaguinho. Eu não ligo para as outras crianças. Não me importo se elas me tratam mal, e também não me esforço para tratá-las bem.
“Acho que você tem razão,” respondeu Tiaguinho. “Mas por que eu é que tenho que ser legal quando elas é que ficam falando mal de mim? Não acho justo.”
“Só porque as coisas não lhe parecem justas, ou acha que alguém o está tratando mal, ou sendo grosseiro e desamoroso, não significa que você não deva ser amoroso, gentil e simpático. Você nunca vai ter nenhum amigo se agir assim. A maneira de fazer amigos é sendo amigável, mesmo que a outra pessoa aparentemente não valorize a sua gentileza, ou não reaja imediatamente.”
Tiaguinho finalmente respondeu, “Tudo bem, acho que posso agir assim com todas as crianças, menos o Lucas.”
“O que você quer dizer com ‘menos o Lucas’?”
“O Lucas é um bully e tanto. Ele está sempre implicando comigo e me xinga na frente das outras crianças. Eu não vou ser legal com ele de jeito nenhum. Além do mais, ele pode fazer tudo que eu sempre quis fazer, e eu não posso. Ele implica comigo e eu não posso fazer nada. Não é justo eu ter que ser legal com ele.”
“O que é que ele pode fazer que você não pode?”
“Ele pode correr e praticar esportes. Ele está no time de beisebol, e eu sempre quis jogar beisebol. Ele é fortão e popular com todas as crianças. Eu nunca tive amigos. Você é a primeira amiga que eu tenho. Além do mais, ele acha que está com tudo.”
“Muitas crianças podem achar o Lucas o popular, mas você também está com tudo—por dentro. Todas essas coisas legais que você tem no coração é que me fizeram querer ser sua amiga. Você é educado, paciente, uma pessoa muito interessante, e não fica falando nem fazendo bobeira como as outras crianças. E além disso, são poucos os que “estão com tudo” ou são “populares”. Jesus fez você legal por dentro. Você é uma pessoa legal.”
Tiaguinho pensou no que Joana disse, mas parecia tão difícil ser legal com o Lucas! E se quando tentasse tratá-lo bem ele zombasse ainda mais?
“Anda, eu sei que você consegue. Por favor, tente. Acho que pode e vai funcionar, e você vai ser muito mais feliz quando fizer amizade com o Lucas. Comece com algo simples, tipo seja gentil, ou diga algo bom pra ele. Sei que vai ser difícil, mas vai valer a pena.”
“Ok. Vou pensar no assunto.”
Ele queria tentar, pelo em nome da sua amizade com a Joana, porque ela lhe tinha pedido isso.
No dia seguinte o recreio foi mais longo do que de costume, então os meninos se reuniram no pátio para jogar beisebol. Tiaguinho sentou-se para observar pela janela. Ele viu Lucas se levantar e fazer uma jogada incrível. Como é que ele consegue jogar tão bem e ser tão bom em tudo e ao mesmo tempo ser uma pessoa tão desagradável? Não é justo!
Ele então se lembrou do que Joana dissera: “Comece com algo simples, tipo, seja gentil ou diga algo bom pra ele. Eu não posso pensar mal do Lucas senão nunca vou conseguir dizer nada de bom pra ele.
Logo terminou o recreio e todos estavam voltando para a sala quando Lucas tropeçou, deixou cair tudo o que estava segurando e se esborrachou no chão. Seu boné foi parar perto do pé de Tiaguinho.
O que será que eu faço?
Ele se abaixou para pegar o boné de Lucas. Ficou o maior silêncio no corredor porque todos sabiam que Lucas vivia implicando com Tiaguinho. Lucas foi devagarinho até Tiaguinho que hesitou, mas lhe entregou o boné com um grande sorriso.
Lucas não sorriu. Arrancou o boné das mãos de Tiaguinho e foi até o armário guardar suas coisas.
“Humm, Lucas, você jogou muito bem hoje. Eu estava olhando.”
Lucas ficou surpreso. “Ah, obrigado. Você estava olhando o jogo?” Lucas então percebeu que todos os seus amigos estavam ao seu redor. “Bem, sabe, fui feito pra isso! Com certeza não é um jogo pra você.”
Tiaguinho tinha tentado ser gentil, e quase deu certo por um segundo, mas não durou muito. Depois contou para Joana o que acontecera.
“Estou tão orgulhosa de você!” disse Joana. Tenho certeza que o Lucas gostou de ser bem tratado por você. Provavelmente ele não podia demonstrar por causa dos outros colegas, para eles não acharem que ele estava amolecendo.”
Os dias se passaram e Tiaguinho continuou se esforçando para ser gentil, não só com o Lucas, mas com todos os colegas. Houve outras situações parecidas com aquela primeira com o Lucas, quando parecia que ele ia mudar e ser amigo, mas aí voltava à velha pessoa.
Mas Tiaguinho tinha que admitir que Lucas, apesar de não ser totalmente amigo, certamente não era mais tão grosso e malvado. Ele tinha parado de xingá-lo, e de implicar e abusar dele. Talvez seus esforços estivessem realmente valendo a pena.
Tiaguinho também se sentia mais feliz. Ele não tinha apenas a amizade de Joana, mas também sabia que estava fazendo o melhor que podia para ser amigo dos outros colegas, mesmo quando não eram tão legais com ele. As coisas estavam melhores na sua relação com os colegas, e ele estava feliz com isso. Mesmo assim, não estava preparado para o que iia acontecer.
Era uma tarde de sexta-feira e a última hora de aula. A Srta Kátia pediu a todos para guardarem os livros e materiais.
“Não é hora da revisão de gramática?” perguntou Tiaguinho.
“É, mas vamos fazer algo diferente hoje.”
Tiaguinho olhou para a sala. Aquilo era muito estranho, e seus colegas não tiveram nenhuma reação.
“Depois que guardarem tudo, vamos para o ginásio,” disse a Srta Kátia. “Tiaguinho e Joana, vocês dois podem ir para a biblioteca e ler.”
Depois que a turma toda saiu, Tiaguinho perguntou a Joana, “Por que é que nós vamos para a biblioteca?”
“Talvez porque a Tia Kátia sabe que nós somos ratos de biblioteca,” respondeu Joana, “então ela só está deixando a gente fazer o que gosta. Deixe pra lá.”
“Tudo bem,” disse Tiaguinho, e foram para a biblioteca.
Depois de quinze minutos o silêncio da biblioteca foi quebrado pela Srta Kátia que disse. “Acabou o tempo! Vamos voltar para a sala de aula.”
“O que vai acontecer agora?” Tiaguinho perguntou.
“Sem perguntas!” foi a resposta da professora.
Tiaguinho e Joana se aproximaram da porta da sala que estava toda escura.
“Será que estamos sem eletricidade?” Tiaguinho se perguntou.
Joana abriu a porta e puxou Tiaguinho pela mão.
“Surpresa! Surpresa!” gritou a turma.
Acenderam as luzes e Tiaguinho se deparou com uma sala toda enfeitada, e todas crianças de pé na frente do quadro negro sorrindo. No quadro dizia, “Achamos você o máximo, Tiaguinho!” E cada um dos colegas havia levado uma lembrancinha para ele. Nas mesas havia bolos, biscoitos, pãezinhos, suco e outras gostosuras.
Aquilo era tudo para ele? Ele não podia acreditar. Devia estar sonhando!
Deu uma olhada na turma toda e, sim, o Lucas também estava ali! Até o Lucas estava com chapéu de festa.
“Tiaguinho, sente-se aqui na frente da turma,” disse a Srta Kátia num tom alegre. “Quem quer dizer ao Tiaguinho o que está acontecendo?”
“Eu quero! Como vocês todos sabem,” começou Lucas, “eu quase nunca converso com ele. Então, isto é para compensar todas as vezes que eu não fui legal com você—ou até pior do que isso, quando o tratei mal. Peço desculpas de coração.”
“Temos conversado sobre a maneira não muito legal como o temos tratado desde o início do ano. Mas agora que o conhecemos melhor vimos que você é um cara legal, então decidimos nomeá-lo o ‘aluno preferido do ano’.
“Também achamos que você é o mais corajoso. Nenhum de nós tem nada do que reclamar, e nos sentimos envergonhados por você ter sido legal com a gente, sendo que nós não correspondemos. Todos nós estamos lhe pedindo desculpas, principalmente eu, porque acho você um cara muito legal mesmo! Eu quero ser seu amigo. Todos nós queremos ser seus amigos. E pensamos em fazer uma festa para dizer que achamos você um cara muito legal.”
“Não sei o que dizer! Eu não poderia escolher colegas melhores do que vocês. Muito obrigado mesmo!” exclamou Tiaguinho.
Tiaguinho então se lembrou. “Lucas disse que não sabia como eu conseguia ser legal com todo o mundo sendo que não estavam sendo legais comigo. Bem, uns dois meses atrás, eu orei e pedi a Jesus para me dar um amigo. Ele atendeu a minha oração e me deu a melhor amiga do mundo, a Joana. Ela me ensinou a ser legal com todos vocês. Então, não posso receber muito mérito por isso. Deus respondeu à minha oração e me deu uma amiga que me ensinou a fazer amizade com os outros.”
Tiaguinho tinha aprendido a superar sua deficiência e encontrar amor e amizade—dando amor e sendo amigo.
Autoria de Joy. Ilustrações de Zeb. Design de Roy Evans.Publicado por My Wonder Studio. Copyright © 2021 A Família Internacional