Meu Estúdio Maravilhoso
Ferida Pela Falta de Amabilidade
Sexta-feira, Junho 3, 2022

Finalmente as aulas daquele ano haviam terminado, e Kelly e vários de seus colegas estavam indo para o acampamento de verão. Todas as crianças estavam ansiosas para acampar em chalés de madeira, assar marshmallows na fogueira e andar de canoa no rio tranquilo e estreito.

Apesar da viagem de ônibus até ao acampamento ter sido tranquila, três dos participantes mais barulhentos passaram a maior parte da viagem juntinhos, rindo e sussurrando entre si. Parecia que estavam maquinando algo para a excursão. Kelly era uma menina quieta e estudiosa, por isso ignorou os cochichos e ficou na sua durante a viagem.

No passado, Kelly havia sido alvo de piadas grosseiras. Ela tentava frequentemente não prestar atenção nelas, acreditando — esperando — que se ela tentasse ser amigável, seus colegas iam começar a gostar dela, falar com ela e incluí-la. Sua vida familiar não era conducente a ela fazer novos amigos: era a mais velha de uma família numerosa, e como seu pai estava frequentemente ausente em viagens a trabalho, muitas vezes lhe era pedido para ajudar com os irmãos mais novos. Contudo, seus colegas não tinham a menor ideia da responsabilidade que ela tinha em casa.

—O que tem quatro olhos, não tem amigos e lê o dia inteiro? —perguntou uma criança.

Todo mundo parou para ver qual seria a reação de Kelly.

—Ah, vocês me fizeram uma pergunta? —perguntou Kelly, quando percebeu os olhares e todo mundo riu ao ver que ela não tinha escutado.

Kelly levantou-se, murmurou algo sobre estar cansada e correu para a sua cabana.

*

O dia seguinte amanheceu ensolarado, com uma brisa agradável. Depois do almoço, alguns meninos, chefiados por Tiago, aproximaram-se de Kelly, que havia evitado o resto da turma a manhã inteira, e estava agora sentada numa mesa de piquenique de madeira, na entrada da clareira do acampamento.

Secretamente, Kelly gostava de Tiago. Eles moravam na mesma rua e às vezes voltavam juntos da escola. Tiago era bem amável com ela quando estava longe dos amigos, mas nunca falava com ela em frente dos colegas.

—Ei — disse Tiago — evitando olhar Kelly nos olhos — desculpe por aquela situação à noite... aquela piada.

—Ah, tudo bem — respondeu Kelly surpresa e tocada por ele Tiago estar pedindo desculpa de uma coisa que não fora culpa dele.

Então Tiago tirou uma pequena flor de trás das costas e a jogou para ela. Ela agarrou a flor pelo caule e Tiago deu meia-volta e foi embora. Kelly não entendeu por que ele tinha ido embora tão abruptamente, mas também reparou em alguns outros meninos à distância, rindo sem parar. Então ela olhou para baixo. O caule da flor havia sido quebrado, fazendo com que a flor ficasse pendurada de um lado. Com lágrimas nos olhos, Kelly correu para a mata para ficar sozinha.

Ela ficou na mata por mais de uma hora, e se perguntava se alguém daria sequer por falta dela. Mas quando voltou o acampamento estava vazio, e a cozinheira do acampamento disse-lhe que estavam fazendo um jogo de pique-bandeira na mata. Seguindo a direção geral que a cozinheira havia lhe dado, ela dirigiu-se para a mata ao encontro do resto do grupo, e decidiu não ficar desencorajada por causa de Tiago ou da zombaria dos outros.

—Olha quem nos encontrou! — reclamou um dos meninos.

Kelly ficou vermelha, mas estava decidida a participar e se divertir.

Passou algum tempo e ela percebeu que os meninos pareciam estar perdidos, apesar de não admitirem. Kelly olhou em volta. Também não tinha a mínima ideia de que direção havia vindo. O sol estava se pondo e o ar ficando mais fresco. Os meninos subiam pelas pedras e passavam pelo mato, seguindo na direção de onde achavam estar ouvindo vozes. Kelly se esforçava para acompanhá-los.

Por fim, os meninos ouviram a supervisora do acampamento e alguns colegas gritarem seu nome à distância, e foram nessa direção. Tinham atravessado um rio estreito e agora tinham que voltar para o outro lado. Tinha uma pedra bem grande, que dava acesso a várias outras que os levaria até o outro lado, mas Kelly ficou parada ao pé da pedra, hesitante.

—O que tem quatro olhos, não tem amigos, lê o dia inteiro e não consegue escalar? Os outros rapazes deram uma gargalhada e Tiago também, apesar de dizer para Kelly que se tentasse ia conseguir. Mas Kelly afastou-se para os arbustos à direita, dizendo que encontraria outra forma de atravessar mais abaixo.

Depois da travessia, Tiago pediu aos amigos para irem mais devagar para Kelly poder alcançá-los, mas ela não apareceu. Tiago parou. Será que ainda estava procurando um jeito de atravessar. Tiago decidiu esperar, enquanto os outros foram à frente para se juntar ao resto da turma. Passados dez minutos ainda não havia sinal de Kelly. Os grilos já estavam começando a cantar uns para os outros.

Tiago ouviu ruídos nos arbustos atrás dele e viu a supervisora do acampamento, parecendo preocupada. Os outros haviam lhe dito que Kelly tinha ido procurar outra forma de atravessar, e ela tinha ido procurá-la. Avançaram pelo mato, descendo o rio, onde, apenas a quinze metros de onde os rapazes haviam atravessado havia uma pequena queda d’água e o terreno baixava abruptamente de ambos os lados.

Atravessaram o rio novamente para procurarem por ali e viram um galho quebrado inclinando-se na direção do precipício. Correram para a beirada e olharam lá para baixo. Bem ali, 3 metros abaixo deles, perto de onde a queda d’água formava um lago, avistaram Kelly imóvel, do lado de uma grande rocha.

Correram para lá. Ela tinha sangue na cabeça. Devia estar correndo quando chegou na descida e caiu até lá em baixo, batendo com a cabeça na rocha. A supervisora tocou-a no braço e chamou-a pelo nome. Kelly gemeu ligeiramente.

Chamaram uma equipe de resgate para levar Kelly para o hospital mais perto, e os garotos voltaram para casa um dia mais cedo, todos sóbrios e calados. Kelly ficou em coma por dois dias antes de abrir os olhos e perguntar pela mãe.

Querendo se redimir, Tiago foi ao hospital onde Kelly se encontrava. Apesar de Kelly não receber visitas, ele ficou surpreso de encontrar na sala de espera alguns dos seus amigos que também a haviam provocado. Naquele momento, entrou uma mulher de aparência cansada, que era a mãe de Kelly.

Ela falou pouco. Apenas explicou que no dia do acidente havia encontrado uma flor dentro de um papel, no bolso de Kelly.

Ela a colocou na mão de Tiago, e ele abriu o papel e viu uma flor roxa e rabiscado no papel as palavras: de Tiago. Na parte de trás do papel tinha o seguinte poema escrito à mão:

Obrigado por Você vir me alegrar,
Querido Senhor, quando os outros me entristecem,
Obrigado pelas flores, a grama e o mar,
Pelas abelhas e passarinhos a cantar.
Ajude-me a achar um amigo querido
Por favor, Senhor,
Sare o meu coração partido.

Sentindo-se horrivelmente mal, porém mais sábio, Tiago olhou a mãe de Kelly nos olhos. A mulher estava pálida e cansada, mas apesar da dor estampada em seu rosto, ela agradeceu a Tiago por ser um amigo para Kelly, e pelas vezes que tinha acompanhado ela até casa ao voltarem na escola.

Levou algumas semanas para Kelly recuperar o suficiente para ter alta do hospital, mas levou bem mais semanas para nós que estivemos envolvidos recuperarmos do choque do incidente que poderia ter sido fatal. Como resultado do acidente, Kelly teve que ficar em cadeira de rodas por vários meses enquanto fazia fisioterapia. Eventualmente ela ficou mais forte e voltou a se movimentar.

Kelly e eu nos tornamos bons amigos — como deveríamos ser logo desde o começo, se eu não tivesse permitido que a minha indelicadeza se interpusesse a isso.

Daquele dia em diante eu mudei. Sei que se apenas um de nós — se eu — tivesse dado um passo amável e humilde e tido a coragem de dizer uma palavra sinceramente amável naquele dia, se a tivéssemos ajudado a atravessar aquelas pedras grandes, o acidente nunca teria acontecido. Foi o começo de uma nova vida de amabilidade para mim e para muitos dos meus amigos.

Fim
Autor desconhecido. Ilustrado por Jeremy. Design de Roy Evans.
Publicado pelo My Wonder Studio. Copyright © 2022 por A Família Internacional
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Tagged: histórias infantis, amizade, bullying