Rosa!
Como Veronica Moreno odiava esse nome … muito forte. Ela o detestava. Adorava rosas. Na verdade, era a sua flor favorita, e até tinha pedido para usar um vestido com rosas no seu aniversário de doze anos há pouco tempo. Mas ressentia-se de Rosa Vargas, ainda que adoraria curtir a “glória” de ser a sua melhor amiga. Na verdade, todas as meninas da sua turna na escola teriam adorado isso -- e os meninos também, é claro.
Como você já deve ter adivinhado, Rosa Vargas, de treze anos, era incrivelmente linda. Além disso, era articulada e tinha uma personalidade cativante. Estava destinada ao sucesso e todos sabiam disso, principalmente os pais dela, a diretora e seus professores. E depois de qualquer evento ao qual Rosa comparecia, as pessoas só falavam dela.
Veronica, junto com Imelda, Nina e Alana -- três amigas do ensino fundamental na escola mexicano-americana -- criaram e editavam uma revista mensal colorida para toda a família, chamada “La Viña”, intitulada assim por conta das iniciais dos nomes das quatro meninas. A revista continha comentários informativos sobre a vida em sua vizinhança, além de pequenas histórias, sátira, poesia, histórias em quadrinhos e artigos interessantes enviados por colegas de turma e amigos. A Dra. Marcia Alvarez, a diretora da escola, muito impressionada com o conteúdo cativante e variado da revista, como também seu design, cedeu às garotas o uso gratuito das modernas instalações gráficas da escola para a produção de quantas cópias precisassem. O preço sugerido para La Viña era de três dólares, e a equipe a vendia porta a porta. Cinquenta por cento do lucro ia para as despesas de impressão, e o restante elas dividiam entre si e os colaboradores.
Em pouco tempo, Veronica e suas amigas convenceram Rosa Vargas a ser o que descreveram como o seu “rosto para o mundo”, promovendo a revista. Deu certo. Rosa acreditava no que estava fazendo, e as vendas dispararam. No entanto, para decepção da equipe editora, a maioria dos clientes comentava mais sobre a bela garota do que sobre o conteúdo da revista.
Depois de um tempo, apesar de, no geral, as pessoas estarem demonstrando mais interesse na revista em si e a assinarem, muitas perguntavam por Rosa, o que incitou mais ciúme entre a equipe de La Viña e até entre alguns colaboradores.
-- Eu… Eu não sei bem se Rosa Vargas deveria continuar nos representando -- disse Veronica baixinho em uma das reuniões que a equipe fazia toda quarta-feira à tarde, depois da aula, em um canto da biblioteca da escola. Rosa não estava presente. -- As pessoas não falam sobre La Viña, apenas sobre ela.
-- Concordo -- sussurrou Imelda. -- Isso enfraquece o perfil do nosso produto.
-- Claro -- disse Nina. -- Deveríamos estar vendendo-a somente por seu conteúdo.
-- Exatamente -- disse Alana. -- Não precisa de um rosto bonito para promovê-la.
-- Então, ninguém comentou sobre o meu artigo em destaque? -- Um garoto mexicano e magrelo de doze anos perguntou. -- Apenas sobre a garota que vendeu a revista?
-- Sinto muito, Pablo, -- disse Veronica. -- Foi um artigo fantástico. Você é um dos nossos melhores colaboradores. Até a Dra. Alvarez diz isso.
-- Sugiro diminuirmos o perfil de Rosa Vargas -- disse Imelda.
-- Si, -- disse Nina. -- Vamos deixá-la fora do projeto daqui em diante.
Alana concordou. “Vamos deixar a revista alcançar sucesso por mérito próprio.”
Por mais que estivesse inclinada a concordar, Veronica tinha reservas, sem saber por quê.
Enquanto isso, sua avó, Doña Lupita, que possuía um vinhedo ao sul da fronteira, no vale de Guadalupe, na Baja California, a convidou para passar com ela as seis semanas das férias de verão.
Consequentemente, Veronica sugeriu a Imelda, Nina e Alana que esperassem até à sua volta antes de abordarem a possibilidade de tirar Rosa Vargas. Elas concordaram relutantemente.
Com um sorriso satisfeito, Doña Lupita, de sessenta anos, acompanhada por Veronica, passeava para cima e para baixo no sol da tarde no México entre as fileiras de parreiras.
-- Parece que vai ser uma boa colheita este ano, querida, -- ela disse, virando-se para a neta. -- Até agora, as condições do tempo têm sido ideais para uma boa safra -- vinho de qualidade. Faltam apenas dois meses.
-- E esta é a minha melhor videira, -- ela disse ao entrarem na última fileira. -- Produz mais que todas as outras, e uvas belas e deliciosas, tenras e robustas, que produzem o melhor aroma na taça. Linda, não acha?
Veronica deu de ombros. “Eu não saberia o que é uma linda videira, abuela1, mas as rosas plantadas no início de cada fileira devem ser as maiores, mais vermelhas e mais lindas que eu já vi. E o perfume delas é simplesmente celestial. Especialmente essa nesta fileira.”
-- Isso é verdade, querida. Mas você não sabe por que plantamos uma rosa no começo de cada fileira de videiras?
Veronica deu de ombros.
-- Bem, uma razão é a ornamentação, porque obviamente as rosas são bonitas. Mas uma razão ainda mais importante é…
Da casa, alguém chamou Doña Lupita e ela saiu apressada para atender à uma ligação, deixando Veronica, que continuou seu passeio.
-- Psiu!
Surpresa, a garota se virou ao ouvir o assobio que veio de dentro do vinhedo. Ela espiou entre as folhas, imaginando encontrar alguém se escondendo nelas. Não havia ninguém lá.
-- Não se assuste, -- disse uma voz. -- Sou eu, a parreira, falando.
Veronica quis sair correndo, mas a parreira continuou. -- Por favor, fique uns minutinhos. Queremos que nos faça um favor.
-- Um favor? E o que seria?
-- Queremos que corte a Rosa.
-- Cortar quem?
-- A Rosa, que está de pé na frente de nossa fileira.
-- Quem é ela? Não vejo ninguém.
-- Ela, a rosa, é claro.
-- A rosa? Por quê? Ela … quero dizer, é linda.
-- Isso mesmo. Nós, vinhas, estamos cansadas de ver as pessoas, como você, virem visitar o vinhedo e sempre comentarem sobre a beleza e o perfume da Rosa sem nunca apreciar o nosso sabor rico e encorpado.
-- Bem, minha avó aprecia. Ela mesma disse isso, … você a ouviu.
-- Si. Mas é a única, porque sabe tudo sobre uvas e vinhas, e nós somos o orgulho e a alegria de sua vida. Além disso, ela é velhinha. Só queremos que as pessoas tenham uma chance de ver apenas a nós e comentarem sobre nossas qualidlades.
-- Hum, -- disse Veronica. -- Ainda assim acho que é uma pena cortar a rosa.
-- Escute. Você sabe como isso nos faz sentir? “Rosa isso … Rosa aquilo. … É linda, não é?” e por aí vai.
-- Na verdade eu sei. Tem uma garota com quem eu e minhas amigas trabalhamos para promover nossa … ah, não importa. De qualquer forma, ela está com tudo, sabe? … É bonita e tudo o mais. Bem, ela ao menos sabe falar bem. E, por curiosidade, o nome dela é Rosa. Todos querem ser amigo dela, inclusive eu, para ser honesta. Mas francamente, me pergunto se alguma de nós deseja secretamente que ela fique gorda e feia.
-- Pronto. Está vendo? Você compreende. Então, fará isso por nós, por favor? Corta a Rosa?
Veronica mordeu o lábio e vacilou um pouco. Finalmente, meneou a cabeça.
-- Mas vai ter que fazer isso na calada da noite -- disse a vinha. -- Não pode ser óbvio.
-- Vou tentar, -- disse Veronica. -- Mas talvez ainda possa mantê-la em um vaso.
-- Não, não, não, criança. Doña Lupita jamais deve suspeitar. O melhor seria enterrá-la.
Naquele momento, Doña Lupita caminhou até Veronica e a informou que precisava visitar um parente doente em Tijuana e que não retornaria por uns dez dias.
-- Oh, não!
Veronica acordou certa manhã ouvindo a voz da avó no corredor do andar de baixo. Tinha acabado de voltar de sua visita.
-- Quer dizer que nossa melhor parreira foi destruída?
-- Si, señora. Em poucos dias. Quando percebemos que a rosa tinha desaparecido, era tarde demais. A praga destruiu todas elas.
-- A rosa tinha desaparecido? Como?
-- Parece que alguém a cortou.
Veronica vestiu o roupão e disparou escada abaixo para encarar sua avó consternada.
-- Sinto muito, abuela, -- ela disse com lágrimas nos olhos. -- Fui eu.
-- Você fez o quê?
-- Eu cortei a Rosa, … quero dizer, eu cortei a roseira.
-- Por que cargas d’água? Para colocá-la em um vaso?
-- É … hã … difícil de explicar. …
-- Olha, seja qual for a razão, querida, o estrago já está feito. Foi muita tolice sua, e talvez eu deva assumir a culpa por não ter explicado. Nós plantamos as rosas na frente de cada fileira de vinhas para protegê-las. Sabe, porque as rosas são plantas tão delicadas, elas são as primeiras a mostrar se insetos, doenças e pragas estão atacando. Na verdade, as rosas morrem para salvar a safra do vinhedo. Neste caso, não havia rosa para denunciar a doença. Meus lavradores não puderam detectá-la e, consequentemente, minha melhor parreira pereceu.
-- Como foram as coisas com a revista? -- Veronica perguntou às colegasa da La Viña ao retornar para casa depois das férias de verão.
-- Bem, -- disse Imelda, abaixando o rosto, -- a edição que publicamos enquanto você estava fora continha um artigo controverso e inapropriado para famílias que Pablo escreveu sobre a discriminação sofrida pelos mexicanos-americanos nos EUA. Até aí, provavelmente estaria bem, mas o problema é que, além de incluir alguns detalhes, ele disse que nós sofremos mais do que qualquer outro grupo étnico. Opa! Não foi nada esperto da nossa parte, considerando o perfil da nossa revista.
-- A situação virou notícia, -- disse Nina. -- Nos jornais, na televisão, e até no YouTube.
-- De qualquer jeito, -- disse Alana, -- como é uma revista produzida por um grupo de garotas da escola fundamental, foi atacada de tal forma que quase fomos forçadas a parar de produzi-la.
-- Quase? -- Veronica perguntou.
-- Bem, adivinha quem salvou a pátria e a revista? -- disse Imelda. Foi fácil para Veronica adivinhar. Rosa Vargas.
-- Foi bom você ter sugerido que esperássemos antes de retirá-la, Veronica, -- disse Nina. -- Ela aguentou todo o impacto, se levantando para enfrentar aquelas câmeras e repórteres, e, gostando ou não, conseguiu passar a mensagem correta para os repórteres e “fiscais” mais durões!
-- Então, nas duas semanas seguintes, -- disse Alana, -- recebemos artigos e respostas de toda a parte jurando solidariedade ao La Viña e sua postura em relação à liberdade de expressão garantida pela constituição.
Veronica sorriu. Especialmente se proclamada por alguém tão persuasiva quanto Rosa, pensou com seus botões, e sugeriu que elas fizessem uma pequena festa em honra a Rosa, convidando o máximo de colaboradores possível. Imelda, Nina e Alana concordaram entusiasmadas. O resultado foi uma ocasião de muita alegria na biblioteca da escola, com a permissão e a presença da Dra. Alvarez, e na qual todo o ciúme se desvaneceu com cada abraço de gratidão dado na felicíssima Rosa Vargas.
E Veronica Moreno, que estava muitíssima agradecida por não ter concordado em “cortá-la,” tornou-se de fato a sua melhor amiga.
O Fim
1 abuela: (espanhol) avó
Ver “Suplemento de Corte a Rosa (Contentamento-2d/e)” para mais material adicional com os seguintes objetivos:
- Reconhecer o ciúme, a inveja e o desejo por posses, desejar o que é de outros, não estar satisfeito com o que tem, comparações negativas, e todas as atitudes que demonstram insatisfação; e a necessidade de estar mais contente com o que se é ou se tem.
- Reconhecer pensamentos enraizados no ciúme, na inveja, na cobiça, na ganância, e no descontentamento, e como afetam negativamente as pessoas; aprender passos a serem dados para ficar contente de novo com o que se é ou se tem.
Autoria de Gilbert Fentan. Ilustrações de Jeremy. Tradução Denise Oliveira. Revisão Hebe Rondon FlandoliCopyright © 2011 A Família Internacional