Meu Estúdio Maravilhoso
A Ampulheta de Natal
Sexta-feira, Dezembro 9, 2022
— 1 —
Preparativos

O Conde Helmut von Steinhausen vivia com sua esposa, a condessa, no seu castelo nos arredores da cidade de Winkitz, na Alemanha. A residência tinha vista para o seu frutífero vinhedo nas colinas da Saxônia. Ele tinha 20 mil homens sob sua proteção nos vilarejos vizinhos.

Era começo de dezembro, época quando o conde geralmente se reunia com seus conselheiros para um balanço do que fora realizado no ano e para planejarem o ano seguinte. Eles enfrentavam vários problemas, o maior deles sendo se conseguiriam ou não escapar do exército de Napoleão. Será que seu pequeno pedaço de terra seria tragado pela guerra que varria a Europa?

Um dos conselheiros perguntou nervoso: “Como vamos manter um exército para nos defender?”

Outro sugeriu: “O senhor tem que aumentar os impostos para poder pagar por um exército.”

“Não vou fazer isto,” respondeu o conde. “O povo já tem encargos suficientes.”

“Mas senhor, nossos cofres estão quase vazios.”

“Deus tem me abençoado com videiras férteis que produzem um bom vinho de mesa. Vivo confortavelmente com a venda do meu próprio vinho. Deus me deu riquezas para eu dividir com os outros, não para acumular.”

“Mas conde Steinhausen, isso é falta de tino comercial!”

“Vocês não leram na Bíblia sobre o rico insensato que construiu celeiros maiores e depois perdeu tudo em uma noite? Minha filosofia de vida resume-se neste versículo: “Mais bem-aventurada coisa é dar do que receber.”

“Chega de falar de negócios! Temos que começar os preparativos para a festa de Natal! Os anciãos do vilarejo já lhes deram a lista dos convidados?”

“Ainda não”, respondeu um dos conselheiros. “mas posso lhe dar uma relação das famílias mais ricas do nosso reino”.

“Vamos fazer o que sempre fizemos e convidar os órfãos, os menos favorecidos, os deficientes, os incapacitados e os pobres.”

“Se me permite perguntar, o que o senhor ganharia em convidá-los?”

“Jesus nos disse para convidarmos não a nossa família ou amigos ricos para nossas festas, mas os pobres e deficientes,” explicou o conde.

“Sim, mas…”

“Se agirmos assim, Deus é que vai nos recompensar! Entendem? No final é um bom negócio,” disse o conde com uma risada.

O castelo fervilhava de atividades com os preparativos para a grande comemoração de Natal. A condessa coordenava os servos em seus preparativos. Flâmulas verdes foram penduradas, as peças de bronze polidas, bolos de maçã e frutas cristalizadas foram assados, colocaram um enorme pinheiro no salão, e o castelo foi limpo até ficar um brinco.

— 2 —
A Festa de Natal

Chegou o dia do Natal e o jardim do palácio foi tomado pelo som de crianças felizes.

O soar da trombeta anunciou a chegada dos convidados.

O conde ficou à porta. Pediu que elas fossem recepcionadas. As imensas portas de carvalho foram abertas e as crianças entraram, fazendo reverência ao conde e à condessa.

Depois que todos chegaram, o conde ordenou o início das festividades. Um grupo de menestréis começou a tocar ritmos festivos.

O conde guiou a esposa pela mão para a pista de dança. Todos se alinharam após eles para uma dança típica. Os meninos fizeram um círculo ao redor das meninas, e logo saíram em fila dançando por todo o salão, depois formando um túnel com uma pessoa de cada lado dando as mãos.

Houve todo o tipo de brincadeiras e entretenimento.

Chegou então a hora de abrirem os presentes. O conde subiu ao palco, batendo em um copo para chamar a atenção de todos. Fez-se silêncio, e ele então declarou:

“Feliz Natal a todos! Gostaria de fazer uma oração por vocês. Que seus presentes sejam tão preciosos como diamantes e rubis, para que, aonde quer que vão, levem luz a outros. Que seus presentes supram todas as suas necessidades e os levem perante grandes homens. Que sintam a alegria de dar para que prosperem e sejam abençoados. Amém.”

Um menininho de oito anos e cabelo encaracolado, chamado Gunter, foi o primeiro a se aproximar do conde. “O senhor tem um presente para mim?”

“Gunter? Ah, sim, vejamos. Aqui está,” disse o conde entregando-lhe um embrulho. “Mas antes de abri-lo leia para nós o que está escrito na etiqueta. É uma charada em forma de poema, e uma dica sobre o que há dentro deste presente.”

O menino leu em alto e bom som.

Sou retinha como uma faca,
Use-me para alegrar a vida,
E para dar forma à madeira também.
Use seu talento somente para o bem.

—“Humm... ferramentas para talhar madeira?” perguntou.

Sem poder se conter nem mais um segundo, rasgou o papel do embrulho, e lá estava um lindo jogo de ferramentas.

“Gunter,” disse o conde, “escrevi uma carta para o artesão de madeira da cidade. Ele está à sua espera. Arranjei para uma charrete buscá-lo, como já fiz com outros meninos do seu orfanato. Meu condutor vai levá-lo à oficina do artesão onde você vai aprender a usar essas ferramentas. Depois que aprender a talhar a madeira talvez possa fazer um presépio ou um móvel pequeno, ou brinquedo, e dá-lo a alguém que ficaria feliz com o presente. Será uma boa maneira de fazer amizades e estender a mão às pessoas ao seu redor, você não acha?”

“Puxa! Muito obrigado, meu senhor!”

“E se você continuar aprendendo, talvez até se torne um bom talhador.”

O conde olhou por todo o salão. “Tem algum Hans Adam aqui?” Um menino de sete anos, loirinho e de olhos bem azuis se aproximou se arrastando em suas muletas.

“Sou eu, senhor.”

“É a sua vez. Será que lendo esta charada você consegue adivinhar qual é o seu presente?”

Ele leu:

Somos como as cores do arco-íris.
Transmita a beleza que você vê,
Para outros sentirem como você.
Uma visão aguçada você precisa ter.

Hans rasgou o papel de presente sem nem tentar adivinhar o que era. “Tintas e material para pintura! Puxa, obrigado!”

O conde acrescentou, “Depois que terminar o seu primeiro quadro, por favor, mostre-o ao melhor pintor da cidade. Ele lhe dará a orientação necessária.”

O conde notou que o nariz de Hans estava escorrendo, e se agachou para limpá-lo com seu lenço.

“Pobre criança. Você está ficando resfriado! Precisa se agasalhar mais.”

O conde então ordenou que enviassem mais roupas e cobertores com as crianças quando voltassem para o orfanato.

No decorrer da festa muitas outras crianças foram chamadas, e cada uma ganhou um presente.

O conde então se dirigiu ao povo. “Caros cidadãos, não me esqueci de vocês. Gostaria de lhes ofertar estas mudas da minha famosa vinha. Meus jardineiros prepararam cuidadosamente uma para cada um de vocês,” disse o conde acenando para o jardineiro chefe, que começou a distribuir as vinhas para cada um dos homens.

— 3 —
Arruinado

E assim desfrutaram de muitos Natais, até o dia em que aconteceu uma catástrofe. O chefe dos jardineiros foi quem deu as notícias, correndo pelo jardim do palácio, esbaforido. “Senhor, o exército invasor se aproxima!”

O conde ficou chocado. “O que? Do que você está falando?”

“O exército de Napoleão. O exército da Prússia está queimando tudo no seu caminho para impedir que o inimigo consiga comida ou ajuda! Nossas vinhas certamente vão virar cinzas. O que vamos fazer?”

“Não podemos deixá-los queimar o palácio pelo menos. Juntem o máximo de homens possível e trabalhem juntamente com eles para limpar uma área grande o bastante para o fogo não nos atingir quando o vento estiver na nossa direção.”

Logo estavam todos trabalhando freneticamente, arrancando as vinhas e limpando a área ao redor do palácio com pás e machados.

O incêndio logo chegou às vinhas e se alastrou como um dragão cuspindo fogo, consumindo tudo em seu caminho.

Quando o fogo finalmente terminou, o conde foi conferir o estrago. Ao ver suas vinhas queimadas, o conde ficou deprimido.

“Tudo pelo que trabalhei está destruído—não restou nada! Todas as minhas preciosas vinhas!”

Enquanto estava ali de pé, lembrou-se de uma passagem reconfortante da Bíblia:

Tem misericórdia de mim, ó Deus, tem misericórdia de mim, pois a minha alma em Ti se refugia. À sombra das Tuas asas me abrigo, até que passem as calamidades. A minha alma está entre leões; estou deitado entre bestas famintas, homens cujos dentes são lanças e flechas, e cuja língua é espada afiada. Preparado está o meu coração, ó Deus, preparado está o meu coração; cantarei e salmodiarei (Salmo 57:1,4,7).

O exército conquistador logo bateu em retirada. Nos meses que se seguiram, o conde e a condessa tiveram que vender todos os tesouros e relíquias de família para sobreviverem. Pouco a pouco, à medida que o dinheiro ficou mais escasso, o ambiente no castelo ficou desesperador.

Certo dia o jardineiro relatou ao conde, “O salão não está bem. Tem goteiras no telhado.”

“Quais são as condições do telhado?”

“Está ótimo para os pombos que estão fazendo ninho ali. Infelizmente teremos que fechar o salão. O reboco está rachado e as paredes estão caindo. Podíamos começar uma plantação de cogumelos com todos os fungos que estão crescendo nos buracos e vazamentos e...”

“Aprecio o seu senso de humor, mas como não temos recursos para o conserto, suponho que teremos que fechar o salão. O que me faz lembrar que terei que liberar todos os criados hoje. Infelizmente não temos mais condições de pagar pelos seus serviços. Sinto dizer isto, caro amigo, mas terei que liberá-lo também.”

“Por favor, senhor, não se preocupe com isso! Vou ficar mesmo sem receber.”

“Mas por que você faria isso?”

“Agora há mais serviço do que nunca. Não posso simplesmente deixar este lindo lugar cair aos pedaços. Além disso, é bom saber que sou útil.”

Passaram-se vários meses.

Um dia o conde ouviu um barulho e perguntou ao jardineiro do que se tratava.

“Só estamos consertando as goteiras no salão.”

“Acho que vou lá dar uma olhada.”

“Eu não recomendaria isso, senhor. É muito perigoso!”

— 4 —
Um Natal Diferente

O primeiro Natal desde a tragédia se aproximava rapidamente, e o conde discutia com sua esposa o que fariam nessa ocasião tão cheia de magia.

“Uma coisa é certa”, disse a condessa, ao arrastar o seu banquinho para perto de seu fogão onde ardia uma pilha de lenha que juntaram numa tentativa de cozinharem e se manterem aquecidos. “Não poderemos receber as crianças no Natal este ano.”

“Por que não?” disse o conde.

“Porque não temos nada para lhes dar,” respondeu ela. “Não temos comida para lhes dar, nada para colocar debaixo da árvore, e nem dinheiro para comprar presentes.”

“É verdade. Mas algumas macieiras escaparam do incêndio. Poderíamos dar algumas das nossas maçãs para as crianças—e cantar não custa nada.”

“Mas se você já está decidido,” disse ela, colocando seu braço sobre os ombros dele, “então apoiarei sua decisão.”

“Deus vai suprir para nós!” respondeu o conde com uma risadinha.

Mas ao deitar-se em sua cama naquela noite, pensou, Estou ficando velho. Não tenho mais muitos Natais pela frente. Este poderia ser o último. Por favor, me ajude a fazer as crianças felizes mais uma vez, como fazia antes.

No dia seguinte, o conde convidou as crianças como sempre fazia, mas explicou-lhes em uma carta:

“Esta comemoração de Natal no castelo vai ser diferente das outras. Infelizmente, por causa do grande incêndio, não poderemos lhes dar presentes. Mas isso não nos impedirá de festejarmos alegremente e com canções, o nascimento de Cristo. Por favor, venham e comemorem conosco.”

Ao amanhecer o dia de Natal, claro e coberto de neve, o Conde Steinhausen e sua esposa ouviram um barulho ao longe. A condessa olhou pela janela para ver de onde vinha.

Ela disse toda empolgada ao conde, “Eles estão vindo! As crianças que você convidou! E parece que o vilarejo inteiro veio junto!”

“O que? Sei que os convidei, mas não esperava que viessem tanta gente este ano, pois sabem das nossas condições...”

“Venha até a janela e veja por si mesmo!”

“É mesmo! Estou vendo e ouvindo também! Tem um grupo de músicos guiando e todos estão dançando num ritmo alegre! Chame o jardineiro! Escancarem os portões para recebermos nossos convidados!”

Logo, do jardim ecoavam alegres saudações de “Feliz Natal! Feliz Natal para todos!”

“Entrem, minhas queridas!” gritou o conde para as crianças. “Que alegria ver vocês. Não esperava que viessem tantas. Sinto não haver muito espaço para todas vocês, é que o salão está sendo consertado.”

“Por favor, deixe-nos entrar, bom conde! O salão! Vamos ao salão!” insistiram.

“Muito bem, mas não esperem grande coisa. Não tivemos condições de consertar o salão porque estamos sem dinheiro.”

Antes de ele conseguir dizer mais alguma coisa, elas empurraram as portas e abriram o salão.

Para surpresa do conde, elas o guiaram pela mão, e ele observou, abismado, uma árvore de Natal enorme no meio do salão, cheia de presentes. Tudo estava perfeitamente consertado; o telhado havia sido reparado e até o piso brilhava de tão encerado.

“Quem fez tudo isto?” perguntou o conde. “Puxa, o salão está mais lindo do que nunca!”

“Alguns dos garotos a quem o senhor presenteou com ferramentas, pensaram em retribuir-lhe a gentileza,” disse o jardineiro, apontando para os seus aprendizes.

“Então era isso que você andava fazendo! Como conseguiu?”

“Trabalhamos enquanto o senhor estava fora na semana passada, visitando os pobres no povoado vizinho,” explicou o jardineiro.

“Estou embasbacado!” exclamou o conde. “Muito obrigado!” Então se voltou para os outros, “Onde conseguiram esta árvore?”

“A floresta nos deu, e como o amamos, a damos ao senhor!” gritaram com alegria.

Ele olhou à sua volta para todos os rostos reluzindo de alegria e começou a abraçar a tantos quanto conseguia. “Estou tão feliz que nem sei o que dizer.”

As crianças o levaram pelas mãos até à árvore e o conde ficou surpreso ao ver que todos os embrulhos eram para ele e sua esposa. Sempre que abria um presente as crianças aplaudiam e davam vivas.

Levou bastante tempo para abrir e ver todos os presentes bem incomuns que ganharam. Nos embrulhos encontravam-se cada um dos tesouros de família que o conde e a condessa tiveram que vender para sobreviverem.

O casal não pôde conter as lágrimas nem mais um momento, mas aquilo não era tudo. Um menino colocou um presente, cuidadosamente embrulhado, nas mãos do conde com um bilhete que dizia, “De Todo o Povo de Winkitz.”

“Queríamos lhe dar esta ampulheta por todos os anos que o senhor cuidou de nós e nos ajudou, principalmente no dia de Natal,” disse o mensageiro um tanto constrangido ao ler seu discurso cuidadosamente redigido.

Todos aplaudiram e deram vivas.

“Leia o que diz embaixo!” gritou um dos meninos.

O conde leu em voz alta:

A vida é uma ampulheta de ricos e pobres,
A areia marca o tempo sem falhar;
Ela vira e o vaso volta a se encher—
E o que você deu volta para você.

Foi um dos melhores Natais na vida do conde. Como sempre, houve danças e várias brincadeiras, e um banquete maravilhoso com todos os pratos que cada um levou. Havia tortas esplêndidas, grandes vasilhas de geleia, e bolos de frutas cristalizadas maravilhosos para agradar a todos os gostos.

“À alegria de dar!” gritaram todos ao baterem os copos num brinde.

Depois de cantarem ao redor da árvore, todas as crianças se aproximaram e cada uma lhe desejou um feliz Natal. Antes de voltarem para suas casas, lhe fizeram mais uma surpresa. “Olhe no peitoril da janela, bom conde.”

Na janela estava uma muda de videira. “O que é isso?” perguntou o conde.

Um dos cidadãos explicou, “Cuidamos bem das mudas que o senhor nos deu. Elas cresceram e se tornaram videiras frutíferas. Quando chegar a primavera vamos replantar na sua vinha as mudinhas das nossas plantas e refazer a sua vinha. Em poucos anos o senhor estará produzindo mais uma vez o melhor vinho da Alemanha. O senhor vai ver!”

Depois que todos partiram, o conde e a condessa passaram um momento a sós, “Puxa vida, que Natal feliz eu tive!”

A condessa respondeu, “Que você tenha muitos mais, meu querido!”

E assim foi.

Assim como a ampulheta é virada e volta a se encher, o que eles deram voltou para eles.

Autoria de Curtis Peter van Gorder. Ilustrado por Sandra Reign. Colorido por Yoko Matsuoka. Desenhado por Roy Evans.
Publicado por My Wonder Studio. Copyright © 2022 por A Família Internacional
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Tagged: histórias infantis, dar, generosidade, natal